Posts Tagged ‘Conto’

Espaço vital – Texto de Otávio Nunes

sábado, dezembro 6th, 2008

O sonho do repórter Hélbon Dellide era se transferir para a editoria de política da revista Taturana, a maior semanal do país. Dedicado e sagaz, havia concluído recentemente sua pós-graduação em Jornalismo Político, defendendo uma tese bastante complexa, que deixou a bancada de professores em papos-de-aranha, sobre a relação (a seu ver, promíscua) entre emissoras de televisão e institutos de pesquisa de intenção de votos. Foi um furor. Só não virou livro porque ele não quis. “Pesquisei pelo bem da sociedade, não por dinheiro”, respondeu a duas editoras. (mais…)

Viagem

quinta-feira, outubro 30th, 2008

Encontrei espaço numa curva do saguão e me sentei no chão, perto da loja de café. Naquelas alturas, o aeroporto Antonio Carlos Jobim não oferecia muito mais conforto do que isso para quem fosse pernoitar por ali. No meu cantinho improvisado já me sentia num razoável bed and breakfast, dada a proximidade da máquina de capuccino e dos pãezinhos de queijo para quando eu acordasse. Eu estava sozinha, esperava a chamada para meu embarque, adiado em muitas horas, e observar meus companheiros daquele albergue improvisado passou a ser uma distração, pois já devorara boa parte do livro que levava na bolsa “para ler na viagem”. (mais…)

Novo prefeito – Texto de Otávio Nunes

quinta-feira, outubro 9th, 2008

O novo prefeito de Beiradinha sentou-se na cadeira estofada e olhou através da janela. Lá fora, os cidadãos andavam de um lado para outro, à procura de seu destino. "A partir de hoje, eu os governo", pensou consigo mesmo o alcaide recém-eleito. (mais…)

Combate ao tráfico

sexta-feira, setembro 26th, 2008

Os homens do batalhão de combate ao tráfico vasculharam o pequeno sobrado. O detetor inteligente percorreu cada canto da construção instalada num bairro da chamada neoclasse média, sem nada encontrar. Dentro de seus uniformes de fibra flexível de aço e munidos com as tradicionais pistolas a laser, os soldados apresentaram-se ao comando. A operação fracassara, ao menos até ali, com os métodos legalizados. O Capitão Assíria deu-lhes ordem para descansar, e eles sabiam dos procedimentos a serem adotados a partir daquele momento. (mais…)

A hora da morte

terça-feira, setembro 16th, 2008

Contou-me esta história o magistrado Ilídio Fagundes Tourão, digno de um caráter fiduciário à prova de manobras e entrementes aferidos em razoável monta nos meandros do ofício. Por certo, e disso dou fé, não ocorre entre sua altiva história um só processo de que possa ter se saído assim escassamente, nem mesmo este derradeiro, no qual, aliás, meteu-se de jeito. Contou-me esta história o magistrado Ilídio Fagundes Tourão, cujo passamento deu-se às nove horas e um quarto do dia 10 de março último, uma manhã de sol brilhante, como o fora sempre quem ela, discretamente, ali socorria à velhice imposta pela doença e talvez por um sórdido destino. (mais…)

A organização – Texto de Otávio Nunes

segunda-feira, agosto 11th, 2008

Grenólio sentou-se na cadeira ao lado de um amigo e se posicionou bem
para ouvir o seu líder fazer o primeiro discurso da organização
recém-fundada. O presidente exaltou a união entre os membros e a
necessidade de a entidade se expandir para poder pleitear mais
benesses. "Só o crescimento nos dará maior importância e poder." (mais…)

solidão – Texto de Thiago Roque

sexta-feira, julho 18th, 2008

desde pequena, solidão sonhava em ser professora – influência direta da mãe, distância, que lecionou durante anos e anos no colégio da cidade.
magrinha, cândida, áurea de paz e de sorriso sempre colado ao rosto (parecia ter nascido com ele), não tinha um (aluno, pai, professor) que não se encantasse por ela. (mais…)

1982, Barcelona

sexta-feira, julho 4th, 2008

Tanto tempo se passou! O jovem que eu era já se transformou apenas numa viva recordação de minha memória, hoje tenho filhos que namoram e planejam entrar na faculdade, meu casamento nem sei quantos aniversários completou. Mas assim mesmo não se põe um dia sem que aquelas imagens pairem, nítidas, diante de meus olhos. Primeiro, o zunido do vento breve e violento; depois, o sol insubordinado e veloz; e por fim, o terrível ruído guinchando em nossos ouvidos, ao mesmo tempo em que sobre nossas cabeças o céu se fecha abrupto, como se fosse nos tragar através de suas brumas, e estas num só instante se tornam breu. O que houve de errado para que só a mim, entre tantos outros, restasse a lembrança? Não dizem que somos peças de uma grande engrenagem? Quantas vezes uma só peça, por mais insignificante que seja, compromete toda a máquina? É como penso: sou uma peça assim. (mais…)

Coisas para pensar

quinta-feira, julho 3rd, 2008

Está na mídia. O STJ mandou pagarem a Paulo Maluf indenização por uma falsa acusação de paternidade. Oito mil reais. Maluf foi salvo pelo DNA. Como diria um amigo meu, quem quiser mais detalhes, por favor, procure num site noticioso. Este espaço, na verdade, não é para isso. O objetivo aqui são crônicas, contos, artigos e produções afins. Mas, às vezes, cai bem fuçar a realidade. Aí vai um miniconto de horror (qualquer semelhança terá sido mera coincidência): "Então, sarcástico, o doutor deixou à mostra os caninos afiados". (mais…)

Um projeto importante

quarta-feira, julho 2nd, 2008

Aquele Eurípedes, de mãos grossas e cabeludas, tamborila sem ritmo algum o verniz riscado da mesa da sala. De sua posição, vê-se quase inteiro o quarto dos dois meninos e da mocinha. Em curtos intervalos, leva à boca o cigarro de palha enrolado há pouquinho. Olha entretido para o cômodo onde dormem os filhos, um em cada cama, os colchões forrados com algodão. Nenhum dos três está em casa agora. Todos na escola noturna, aprendendo a escrita. Claro, a leitura também. Fossem eles para frente, que isso não é mais para seu bico. A essa hora, costuma ir tomando, de gole em gole, sem pressa de acabar, o café passado pela mulher depois da janta. A caneca verde de lata fumega até que a última gota desça já quase fria. De vez em quando, a primavera calorenta sopra uma brisa fraca. Mal dá tempo de suspirar por esse efêmero prazer, pois muito depressa o tempo aquieta-se outra vez. Lá fora, só mesmo um ou outro cachorro ladra, mais tarde as corujas também darão o ar da graça. Mas por ora é só isso mesmo: o Eurípedes tamborilando na madeira. (mais…)