O sigilo de um passado que nos incomoda

Aí está a Nina, cachorrinha que também é minha

Esconder coisas do nosso passado (ou mesmo do presente) das quais nos envergonhamos nos faz bem? Resolve nossas incertezas a respeito do futuro? Sustenta nossa estabilidade emocional? Evita uma exposição prejudicial à nossa imagem? A discussão em torno de documentos sigilosos da história do país me despertou para minhas próprias desonras.

Eu gostaria de esconder que matei passarinhos no ninho e que levei cachorrinhos para jogar no rio.

Que terminei um longo namoro de qualquer jeito só para ir tomar cerveja com os amigos.

Que não fiz nada para compreender melhor meu pai.

Que disse à minha mãe que ela não tinha nada a ver com a minha vida.

Que um dia reclamei do serviço de um estacionamento e disse ao cara que iria fazer uma matéria.

Que judiei dos meus primos menores quando criança.

Que pus a culpa num colega da frente quando minha cola para a prova do ginásio caiu no chão.

Que fui mal educado com pessoas que amo.

Que já escondi opiniões para não me comprometer.

Que uma vez não dei a mão para um mendigo porque ele estava sujo.

Que me fiz de bem informado para não parecer ignorante.

Que já deixei a luz acesa para dormir porque estava assombrado.

Que, por receio, não dei carona a uma mulher com criança de colo na beira da rodovia.

Que por pouca coisa me senti injustiçado pela vida.

Que não visito velhos amigos.

Que tenho dado pouca atenção a uma cachorrinha que também é minha.

Que tenho preconceitos.

Eu gostaria de esconder tudo isso. De não contar a ninguém. Mas qual o sentido de algo assim se não tenho como esconder de mim mesmo?

O Brasil não pode esconder seu passado de si mesmo. E nós somos o Brasil. O Brasil do bem e o Brasil do mal.

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