Renascidos do inferno

O confronto entre dois Brasis – o que gostaria de se ver livre de Dilma e do PT e o que a elegeu e ainda acredita na presidente e na estrutura política que a sustenta – faz borbulhar neste momento a ignorância que geralmente permanece encoberta pela omissão nascida de receios, as bravatas sem sentido de gente desacostumada a discutir política, os rancores formulados a partir de bases frouxas e os ódios rasos quase sempre obtidos pela falta de argumentos. Tudo isso é verdade, mas há algo mais importante acontecendo: finalmente abrimos, em meio ao torpor do futebol e de todas as banalidades de nosso cotidiano, uma pequena fresta para olhar o que realmente importa.

Independentemente do lado em que estão e do que os motiva a estarem de um ou outro lado, o fato é que os brasileiros estão falando de política. Se mal e porcamente, essa é outra história. O que se pode esperar de uma sociedade afeita à submissão, entregue ao desinteresse político e manobrada como gado durante séculos? Não será do dia para a noite que aprenderemos. Todavia, era preciso começar. É certo que muitas vezes os argumentos afundam em futilidades e no besteirol deprimente, mas antes assim. Porque se em boca fechada não entra mosquito também não entra comida.

As bobagens e o desperdício de tempo que podem ser observados, por exemplo, nas redes sociais são uma representação clássica da confusão caótica a que se entrega preguiçosamente o cidadão na hora de levar adiante ideias e opiniões das quais se apropria como se nelas estivesse fundada sua própria existência. O caso é que estamos discutindo, mas ainda não estamos pensando. Estamos na contramão do processo lógico do raciocínio. Mas ainda assim é um avanço. Porque a primeira reação do doente ao acordar de uma longa letargia é dizer bobagens, antes mesmo de pensar no que vai dizer. É o primeiro sinal claro de que ele pode se recuperar.

A maior doença social do Brasil não é a corrupção, não é a roubalheira e nem a cínica postura dos que se travestem de homens dignos para ludibriar as massas e subjugá-las em nome de mentiras fabricadas para beneficiar as castas do poder. Nossa maior doença é agirmos como os gnus das savanas cruéis: vivermos de cabeça abaixada em busca de uma sobrevivência forjada sobre a vegetação rala que, no fim das contas, nos deixam; vivermos sem saber da força que paira sobre nossos lombos ajuntados na multidão; vivermos uma vida sem pensar.

Estamos falando. Um dia, quem sabe, estaremos pensando. E então teremos renascido do pior inferno, o da ignorância.

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