“Ela”, o filme, e o tronco da bananeira

Eu conheci um cara que na infância tinha uma bananeira preferida. “Quando eu faço o buraco no tronco, eu converso com ela", ele me disse uma vez. "E eu a ouço quando a gente está... você sabe", ele também me disse. Veja bem o que ele me disse: "... quando a gente está". Ou seja, ele incluiu a bananeira no mundo da razão, ele deu uma consciência à bananeira.

Ao ver "Ela", filme perturbador para quem busca na solidão uma companheira leal, lembrei-me dessa confissão, feita numa hora besta enquanto mijávamos à beira de um campinho de futebol. O sistema operacional por quem o personagem de Joaquin Phoenix se apaixona num futuro próximo é a bananeira do meu quase-amigo.

O tempo corre, mas os instintos básicos sobrevivem ao tempo.

Por mais sozinhos que pensemos estar, há algo aqui dentro pulsando ininterruptamente e nos chamando para jogar. E certamente não se trata da bananeira nem do sistema operacional, mas do grito louco que todos temos no peito e que uns conseguem sufocar mais do que outros.

Entre a bananeira do meu quase-amigo e o sistema operacional do Joaquin Phoenix, dá empate. Porque a bananeira tinha a vantagem física para que meu quase-amigo fizesse lá o buraco necessário para matar seus desejos, mas o sistema operacional de “Ela” é capaz de, ele mesmo, envolver-se sentimentalmente com Joaquin Phoenix (fora a voz da Scarlett Johansson, né?)

Quanto aos humanos, a busca pela bananeira naqueles tempos representou para meu quase-amigo um importante degrau na escala evolutiva do prazer. Já o protagonista de “Ela”, fazendo jus aos tempos modernos, consegue ampliar seus horizontes amorosos (e talvez fugir de sua cruel realidade) ao lidar com uma relação que, no fim das contas, é cria de sua capacidade de formatar a imaginação a partir de suas próprias demandas sentimentais.

Nos dois casos, entretanto, assim como sempre acontece nos momentos em que botamos o pezinho naquela faixa de solo iluminada por uma placa estilosa que faz brilhar a palavra avanço, nos dois casos nossos heróis correm o risco de se meter em belas enrascadas.

É, fazer o quê? O desconhecido é um tanto escuro. E às vezes, machuca.

“Não sei se foi aquele leite, sabe?”, justificou-se meu quase-amigo à beira do campinho, ambos já no fim da mijada. “Olha aqui”, ele virou-se para mim, “tá vendo?”. E mostrou a pele do dito cujo com uma mancha escura. “Acho que queimou.”

“Ela” queima.

Tags: , , ,

Comments are closed.