Três historinhas de chuva

1. A avó
Bastava soar, distante, um trovão. Minha avó não sossegava mais. O dia inteiro. Até que, enfim, viesse a chuva. Mandava cobrir os espelhos da casa, acendia uma vela para Santa Bárbara sobre a cômoda do quarto e chamava a família inteira para passar a tempestade ao lado dela.

Vinham filhos, noras, netos. Se por acaso um raio despencasse sobre aquele telhado, toda sua prole estaria dizimada num piscar de olhos.

Morávamos no sítio ainda. Eu devia ter cinco ou seis anos. Mas me lembro perfeitamente daquelas tardes (curioso, parece que naquela época as tempestades sempre caíam à tarde) de tensão e drama. O pavor a fazia rolar na cama, como um doente com terríveis cólicas. Davam-lhe água com açúcar e às vezes, calmantes.

De onde vinha aquele medo insuportável? Eu nunca soube. Assim como também não sei se essa passagem de minha infância pode explicar o aperto no coração que sinto ao ver o horizonte trovejar. Não é medo. Nada parecido com o que acontecia com minha avó. É apenas esse aperto no coração. Um sentimento vizinho da melancolia, de uma treva desconhecida.

2. A mãe
Certa noite, eu devia ter dez ou onze anos, lembro-me de ter levantado no meio de uma tempestade. Já era madrugada. Naquela época acho que ainda tinha medo desse tipo de situação. Porque na verdade não sei explicar o motivo que me fez sair da cama e perambular a esmo pela casa.

A energia fora interrompida, mas eu só me dei conta disso quando, na escuridão da sala, topei com minha mãe. Ela me perguntou o que eu estava fazendo, andando assim no escuro. Eu não sabia. Então, ela me levou de volta para o quarto.

Quando amanheceu, a casa estava toda revirada. Um ladrão havia entrado pelos fundos, percorrido os quartos, jogado roupas pelo chão etc etc. Ninguém ouviu absolutamente nada. Fico pensando que bem naquela hora, quando eu e minha mãe nos esbarramos, o ladrão já poderia estar ali. Pronto para qualquer coisa.

3. A mão
Nessa ocasião, eu devia ter já uns quinze anos. Eu e meu irmão fomos assistir ao primeiro filme “Sexta-feira 13”. Quanto voltamos para casa a pé, começou uma chuva leve. Mas logo houve uma razoável tempestade. As luzes, como era comum naqueles tempos, logo pifaram.

De todo modo, chegamos bem. A energia não demorou a voltar. Formos dormir. Lá pelas tantas, acho que eu devia ter dormido pouco tempo ainda, acordei com uma mão sobre meu rosto. A minha cama era bem próxima a de meu irmão. E eu logo imaginei que ele estivesse fazendo algum tipo de brincadeira de mau gosto, aproveitando a atmosfera de terror deixada pelo filme.

Como eu estava deitado virado sobre meu lado direito, com a mão esquerda fiz um rápido movimento para bater no braço dele e acabar com a palhaçada. Mas não havia qualquer braço ali. Não era o braço dele. Era apenas uma mão imóvel sobre meu rosto.

Fui tomado por um instante de pânico, que não deve ter durado dois segundos. Porque quando vi que não era a mão de meu irmão, dei um salto insano ao mesmo tempo em que acendi a luz. Nisso, meu braço direito, completamente adormecido, caiu como uma pedra sobre a cama. Eu havia dormido sobre o braço. E a mão que pousava no meu rosto era a minha mesmo.

Tags: , , , , ,

Comments are closed.