Lawrence da Arábia e o mistério de minhas lágrimas

http://www.youtube.com/watch?v=RQA_ldX0VI0
Trailer do filmaço de David Lean lançado em 1962

Comprei o DVD do filme “Lawrence da Arábia” (Direção de David Lean, 1962). Só pra rever na hora que eu bem entender. É um dos meus filmes preferidos, embora eles sejam muitos. Mas “Lawrence” tem algo de fabuloso, misterioso, intrigante, algo que sempre me atrai para o deserto do norte da África, onde o tenente inglês exerce papel fundamental na luta das aldeias árabes aliadas ao exército britânico contra os turcos, que na época (a ação se passa durante a Primeira Guerra Mundial) pretendiam anexar a Península Arábica ao seu Império Otomano.

A obra, baseada no livro autobiográfico “Os Sete Pilares da Sabedoria”, do oficial inglês T. E. Lawrence, levou muitos prêmios, incluindo sete categorias do Oscar, entre as quais melhor filme e melhor diretor. Bom, David Lean merece. Sua obra é fantástica. Além de “Lawrence”, assina “A Ponte do Rio Kwai”, “Doutor Jivago” e “Passagem para a Índia”, entre outros. É preciso mais? Em “Lawrence”, ele escala Alec Guinness e o espetacular Anthony Quinn ao lado dos então promissores Peter O’Toole (que interpreta o protagonista) e Omar Sharif.

Enfim, as sinopses estão aí na internet para quem quiser. Eu aqui só escolho algumas impressões sobre o filme. Eu poderia falar das tomadas magníficas – aliás, uma marca nos épicos de David Lean – que tornam o filme um campeão em fotografia. Também poderia comentar a incrível profundidade que o então jovem Peter O’Toole consegue imprimir a seu personagem, um homem excêntrico e enigmático cuja principal guerra parece ser a que ele trava consigo mesmo, descobrindo-se a cada episódio terrível vivido em sua passagem pela Arábia.

Aliás, um dos grandes méritos da obra é exatamente este: mais do que um filme sobre a guerra, é um filme sobre o íntimo de cada personagem, sobre suas crenças e seu papel nos conflitos bélicos e humanos. É impressionante como David Lean soube explorar tão bem esse aspecto nos 220 minutos do filme (não é um livro, onde essa discussão pode ser aprofundada, é apenas um filme, embora longo!) Poderia ainda falar sobre como Anthony Quinn está tão à vontade em seu papel de líder interesseiro e mercenário de uma das tribos árabes. E de muitas outras passagens marcantes, como o embate profundo de olhares entre o oficial Lawrence e o militar turco que o tortura.

Mas o que eu quero dizer é outra coisa. É sobre a música do filme, a música que acompanha as principais passagens de Lawrence, a música composta por Maurice Jarre (que morreu em 2009). Eu não sou nenhnum especialista em cinema, em música ou no que quer que seja, já disse isso aqui em outras ocasiões. Porém, não tenho qualquer receio ou dúvida ao dizer que poucas vezes, ou quem sabe jamais, uma música foi tão bem usada num filme. Não sei se sem ela, seria a mesma coisa (pra mim, é claro). A cena em que um dos dois garotos árabes que se oferecem para acompanhar Lawrence como servos espera o retorno de seu amo do terrível deserto, para onde ele voltou à procura de um soldado do grupo que havia se perdido durante a noite, é intraduzível.

Quando vê Lawrence ainda distante, voltando com o homem árabe inesperadamente salvo das aflições desérticas, o garoto, incrédulo e comovido, começa a atiçar seu camelo para que o animal siga ao encontro do amo. E é exatamente aí que a música acompanha com perfeição a velocidade do camelo, crescendo em ritmo e em emoção. Li por estes dias um artigo de Arnaldo Jabor em que ele diz ter chorado ao ver Cole Porter cantando “Let's do it” no belíssimo filme “Meia-noite em Paris”, de Woody Allen. Essa é a magia do cinema. Fazer com que nos abandonemos às nossas emoções sem travas, sem pudores. Eu não sou daqueles que assistem ao mesmo filme dez, vinte vezes (só para ficar claro: não tenho nada contra isso), mas acho que já vi “Lawrence da Arábia” cinco ou seis vezes. E sempre na hora em que chega o momento da cena que descrevi acima não consigo conter as lágrimas. Ainda não sei o que me faz chorar todas as vezes exatamente nessa cena. Mas continuo com esperança de descobrir o mistério. Porque ainda voltarei a ver o filme não sei em quantas ocasiões. É que de vez em quando “Lawrence” me chama lá do deserto.


Vídeo com a emocionante música de Maurice Jarre

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