Em apuros, chame o destino

A fórmula é infalível, meu jovem: planeje uma obra ou um evento que possa lhe render muito dinheiro e prestígio; contrate uma firma inidônea (será fácil encontrar várias) para realizar seu projeto; peça subsídios ao governo, não se esquecendo dos favores em troca dos empréstimos; molhe a mão dos funcionários certos nas repartições certas para que seu projeto seja liberado, apesar de algumas irregularidadezinhas. E está feito. Lance-o e espere chover na sua horta.

Infelizmente, nem tudo são sempre flores. Às vezes o Destino faz das suas e o viaduto construído com menos concreto do que devia desaba e mata dezenas de pessoas (parte da verba foi para sua piscina, lembra?); ou a arquibancada montada para o show de rock por mãos amadoras despenca, mata alguns e mutila outros (se fosse uma firma especializada, seus filhos não poderiam ter ido à Disney, lembra?); ou ainda a fabricazinha de fogos de artifícios sem alvará explode e arrasa um quarteirão inteiro, resultando em mortos e feridos, além dos prejuízos materiais para outros tantos (foi preciso passar grana pro chato daquele prefeito, lembra?). E aí? Como ficam seu nome, seu prestígio e seu rico pé-de-meia? Os chatos dos repórteres estão batendo à sua porta, as denúncias de corrupção invadem seu sacrossanto lar e a polícia está em seu rastro. É o fim!

Fim? Nada disso. Você está na Terra Prometida. Outros, antes de você, já passaram pelo mesmo sufoco e nada lhes aconteceu. Pelo contrário, vivem bem, na terrinha ou no exterior, alguns ocupam cargos de confiança, outros enveredaram pela política, contaram com a memória curta da massa e foram eleitos com polpudos salários e direito de aposentadoria coroando suados oito anos de mandato. Por que seria diferente com você?

Antes de mais nada, mostre-se surpreso com o trágico desfecho de seu projeto e não se esqueça do ar sério e compungido ao declarar para a mídia (essa futriqueira!) que você faz questão de acompanhar de perto as investigações policiais, e que se empenhará pessoalmente para que toda a verdade venha à tona, doa a quem doer.

Se a coisa, mesmo assim, começar a ficar ruça pro seu lado, contrate imediatamente para defendê-lo das calúnias um daqueles rábulas com várias vitórias em causas semelhantes no currículo. Adie a compra daquele anel de brilhante para sua secretária e invista no seu defensor, porque limpar o nome na praça tem seu preço. Em público, alegue sempre inocência e deixe o resto por conta dele, que fará provas comprometedoras desaparecerem e testemunhas falsas surgirem do nada. “Por motivo de saúde”, você faltará a algumas audiências importantes e adiará o mais possível o julgamento.

Quando seu delito (que palavra forte para um cidadão honrado como você!) tiver caído no esquecimento geral – exceto para as famílias das vítimas, mas essas chatas você tira de letra – uma noticiazinha lá no meio de uns poucos jornais dirá que você foi absolvido por falta de provas e que tudo não passou de uma fatalidade. Seu nome estará limpo para começar outros projetos. No Paraíso Tropical, meu jovem, o Destino sempre paga pelos danos. Afinal, estava escrito no horóscopo das vítimas que naquele dia fatídico elas não deveriam ter saído de casa. Quem mandou não acreditarem?

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br

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