O dia em que eu toquei violão com o Cartola

A seguir, reproduzo o registro que fiz no meu bloco de cabeceira por volta das cinco da madrugada de hoje.

Meus sonhos geralmente são longas metragens. Esta noite, porém, participei de um curta. Eu estava tocando violão (logo eu, o cara mais desafinado do mundo) com o Cartola!

Mas eu sei o motivo. Ontem passou no Canal Brasil um documentário sobre ele e eu vi um trecho. E lá estávamos Cartola e eu tocando violão!

A certa altura, ele se vira pra mim e diz “Márcio, eu sei por que você é Mangueira”. E eu “Ah, é? E por que, meu velho?” (eu também sei o motivo de o ter tratado por “meu velho”: é que também ontem assisti ao filme “O Grande Gatsby”, em que o personagem principal carrega consigo esse cacoete).

Bom, então perguntei ao Cartola “E por que, meu velho?”. E o Cartola: “Porque eu e você (vejam só: ele, Cartola, e eu, Márcio ABC!) somos sem eira nem beira”.

Depois de um tempinho, ele me estudou com o olhar: “Entendeu?”. Mas eu estava mudo, com um nó na garganta. “Toca aí, vai”, ele disse em seguida, como se fosse a coisa mais natural do mundo nós dois estarmos lá!

Mas eu continuava paralisado. Não sei mais se a essa altura estava sonhando ou acordado. Um segundo depois, o sonho continuou. De óculos escuros, rindo, ele se virou para o lado. Atrás de sua face havia um morro de favela. O sol iluminava os casebres e refletia seus raios no mar lá adiante.

“Bom”, ele se voltou a mim novamente, “dá uma tragada aí e toca esse negócio”. Eu vi um cigarro entre o mindinho e o anelar da mão direita enquanto ele dedilhava o violão.

Levei o cigarro à boca e traguei (quer dizer, é apenas uma impressão de que traguei porque na verdade eu não sei tragar). O Cartola, de novo, estava virado para nossa direita, olhando detidamente o morro. Mas eu não distinguia mais os casebres. Agora eu via meu próprio reflexo nos óculos escuros dele. E o meu reflexo era o de um Márcio ABC já velho (não sei explicar esse detalhe do sonho esteticamente) e chorando de emoção por estar ali, tocando com o Cartola.

Nisso, acordei. E, de fato, chorava. Não sei se foi impressão, mas também me subiu às narinas um leve aroma de tabaco.

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