Dois encantos


Um dos famosos mosaicos de Gaudí, em Barcelona

Por que comparar as duas, não sei. Também não sei se meus critérios são válidos. Falo apenas como uma viajante que visitou Paris depois de 40 anos sem vê-la, e que entrou em Barcelona pela primeira vez. Pois é, estou me referindo a Paris e Barcelona, que acabo de visitar.

Voltar a Paris depois de 40 anos foi uma emoção difícil de descrever por me trazer de volta a primeira vez em que lá estive, outros tempos, quase outra vida.

Paris é sólida, bem plantada no chão, cheia de História, de coragem, resistência e recuperação. É charmosa – e bota charme nisso! – e intelectual. Parques amplos, livrarias e sebos, catedrais, museus sempre cheios, Montmartre e seus artistas de rua, Marais e seu encanto aconchegante, o Sena e suas margens inspiradoras, as pontes, árvores que no finalzinho de março já começavam a recuperar seu verde, ao lado de algumas ainda secas, em plena transição entre o gelo e uma quase primavera. Por duas vezes vi um músico literalmente aterrissar seu piano numa esquina e começar a tocar, acompanhado de um contrabaixo, e o jazz se espalhou pelo ar. Em plena rua! A música “April in Paris” não foi composta por acaso. Yip Harburg devia estar em êxtase quando fez a letra.

E talvez por ser tão charmosa, importante e completa, Paris me deu a impressão de que não precisa de ninguém, e não se importa se gostamos dela ou não. Ela está ali, soberana, pairando acima de qualquer crítica ou elogio dos simples mortais. Nós é que precisamos dela. Para nos inebriarmos com seus vinhos, nos deliciarmos com seus pães e queijos, distrair-nos em seus cafés de cadeiras viradas para as calçadas para podermos ver o movimento sem deixar de conversar, provar um vinho ou um “croque monsieur” saído do forno. Como dizem os mais entusiastas, “Paris é Paris, ponto final”.

E então cheguei a Barcelona. A primeira impressão foi a de que aquela cidade me dava as boas-vindas, estava feliz de me ver ali para eu aproveitar o que ela tinha a oferecer. Quase pude ouvi-la dizer “que bom que você veio!” Lá me senti importante, fazendo parte de seu dia a dia, de sua luz, seu tráfego sem engarrafamentos, do sol que me fez tirar o casaco por alguns dias, e do seu mar. Ah, então está explicado! Saí do Rio e me vi novamente diante do mar... Mas nem só de sol vive o homem, o cinza de Paris também tem seu encanto. É que Barcelona, que também tem História, prédios sólidos e um histórico de revoltas e lutas, parece nos convidar a entrar, sentir sua atmosfera convidativa, apreciar a arte de seus filhos famosos nos mosaicos de Gaudí, nos traços de Miró e na irreverência de Dalí, entre outras belezas. Sem contar o orgulho catalão por sua região ter sido a primeira a acabar com as touradas. E foi orgulho nativo que identifiquei quando ouvi um cidadão responder à pergunta se ele era espanhol: “Não, sou catalão!”

As construções feitas em Barcelona para as Olimpíadas de 1992 deram certo e até hoje embelezam e facilitam a vida da cidade. Estudantes, turistas e moradores, de todas as idades, provavelmente pensam o mesmo, ou as universidades, os restaurantes, os teatros com música e dança flamencas, os festivais de jazz, balés e concertos não estariam sempre lotados. E quando isso acontece no Palácio da Música Catalã, a festa começa na exuberância da fachada, continua pelas escadarias, halls, lustres e brilhos de seu interior. Um espetáculo à parte.

Paris e Barcelona existem para serem curtidas e vivenciadas. Ambas são apaixonantes, cada uma a seu jeito.

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4 Responses to “Dois encantos”

  1. maria bernardete galvao flores disse:

    Adorei !!!!!!!!.
    Ja conhecia tanto Paris como Barcelona, mas depois de ler esta reportagem vi com outros olhos as duas cidades.
    Ate fiquei com vontade de visita-las de novo.
    Parabens, excelente artigo.

  2. Vanessa Carvalho disse:

    Ana!!!
    Me senti em Paris e Barcelona!
    Lindo texto!
    Bjs.

  3. Ruy disse:

    Ana,conheci Paris em 1982, decididamente seus olhos de escritora vêem mais que os meus, um simples leitor.Parabéns pela crônica e pelo dom de escritora.Beijo,Ruy

  4. Mila Camargo disse:

    Amei este texto. Nos transporta às 2 cidades com uma sutileza ímpar. Muito gostoso de ler e de sentir esta viagem telepática.