Desperdício humano

Já falei sobre isso em outra crônica, mas volto ao assunto, ainda lamentando o desperdício de crianças e adolescentes sem eira nem beira, desaproveitados e desconhecendo seus próprios talentos que não aqueles dirigidos a delitos. Hoje me refiro especificamente aos que são jogados em instituições cuja finalidade é "formular e implantar programas de atendimento a menores em situação irregular, prevenindo-lhes a marginalização e oferecendo-lhes oportunidades de promoção social" (Lei Estadual 1.534 de 27/11/1967), mas que na sua maioria não passam de um depósito de seres humanos. Nestes, os internos passam grande parte de seu tempo planejando a fuga ou especulando sobre como vão se dar bem quando fizerem 18 anos e se reintegrarem à bandidagem.

Um lugar com estrutura semelhante à de um colégio interno teria tudo para ser o local certo para uma verdadeira reabilitação, com atendimentos adequados, cursos bem montados e oportunidades para que se descubram aptidões e talentos nos internos, mas não o talento da esperteza e da vingança contra os que os mantêm ali. Tanto nas instituições para meninos como nas de meninas, todos menores e já infratores, nem mesmo eles desconfiam que são músicos, dançarinos, atores, desportistas, professores, técnicos, escritores e outros profissionais em potencial. E é nesse potencial não descoberto que estão ao mesmo tempo o problema e a solução.

É problema porque a realidade continua mostrando o lado podre dessas vidas. Por que tão raramente se vêem artistas e profissionais que descobriram seus talentos nessas instituições, mas lê-se aos montes sobre criminosos e delinqüentes que tiveram passagem por elas? E é solução porque é esse potencial que pode ser captado, trabalhado e estimulado pelos educadores das instituições que realmente quiserem fazer um trabalho de recuperação real com os internos.

Os nomes dessas instituições já foram muitos e sempre bem intencionados. Mudam-se as siglas, mas mantém-se o estigma de escola do crime, de maus tratos, de celeiro de pequenos bandidos que agem como tais na própria instituição e que um dia atingirão o ápice da carreira marginal. E, o que é de dar mais vergonha: isso tudo depois de passarem por lugares criados e mantidos justamente para que eles possam ter treinamento adequado para se reintegrarem como cidadãos à sociedade de onde saíram.

No momento em que tão oportunamente se chama a atenção sobre urgentes medidas contra o desperdício de papel, de comida e de recursos naturais do planeta, bem que se poderia incluir nesse foco o desperdício que acontece sob nossas vistas com adolescentes que poderiam ter acesso a alguma oportunidade para se tornarem cidadãos de bem.

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br « voltar

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