A origem do silêncio

Às vezes, enquanto tomam umas e outras esperando o sol cair, eles ficam em silêncio. Embora ambos sejam bastante comunicativos, daqueles tipos que deixam todo mundo bem à vontade – porque na presença deles ninguém precisa se preocupar com a produção do assunto – e, mais que isso, daqueles tipos que deixam todo mundo à vontade sem ultrapassar os limites do desagradável, embora sejam assim, às vezes, especialmente quando estão a sós, só os dois, ficam em silêncio.

Não que planejem o silêncio. Ou que um deles induza o outro a silenciar. Ou que o silêncio imponha sua força mediante condições criadas – ou adaptadas – pela relação de ambos, como se ambos vivessem sob uma vacuidade oxidada pela passagem do tempo, pela passagem do tempo em torno deles. Não planejam o silêncio. Não induzem ao silêncio. Não criam o vazio para que o silêncio caia sobre eles. Mas às vezes silenciam.

Silenciam como a folha que tantas vezes vemos zanzar pelo ar sem que de seu mergulho hesitante possamos extrair qualquer aviso ruidoso da queda iminente. Ou como o peixe que, dentro do aquário, pode dar cambalhotas e mesmo assim passa despercebido de nossa audição. Ou, se ainda quiserem, como a poderosa leoa segundos antes do ataque, cujo significado parece implodir o próprio tempo em sua sepulcral inexistência de som.

Mas, claro, essas são apenas abstrações, abstrações que podem não equivaler necessariamente ao silêncio deles, ao silêncio deles naquele instante em que a tarde começa a evocar, por meio de breves choques elétricos, o complexo labirinto de nossas almas. Porque, decerto, o silêncio de ambos não tem nada a ver com folhas que caem, com peixes presos em vidros ou com felinos matadores. Talvez o silêncio deles não tenha a ver com absolutamente nada do que se refere às coisas práticas desta vida.

É que: vejam como os olhos de ambos refletem uma luz que parece ser infinita. Prestem atenção ao detalhe do brilho refletido. O brilho do olhar de um se choca no brilho do olhar do outro. Melhor dizendo: não se trata de um choque, ao menos como geralmente compreendemos a palavra choque, acho que seria melhor usar confluência, como a confluência de águas de dois rios, dois rios que se juntam levando consigo, cada um dos dois, seu próprio brilho ao sol, seu próprio reflexo, mas assim mesmo ambos se misturam e compõem um novo brilho, um novo reflexo, uma nova água.

Acho que é esse brilho, esse reflexo, essa troca, essa simbiose e, por fim, essa metamorfose, tudo isso numa só essência, acho que é isso que reverbera e, como num novo corpo, como num novo corpo inexplorado, é capaz de rebentar num silêncio tão puro. E tão inexplicável.

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