Jornalista que viveu golpe militar no Chile quando era criança fala do livro “Na pele dos meninos”

O Palácio La Moneda é atacado em 1973

O Palácio La Moneda é atacado em 1973

A jornalista Claudia Aguiyrre viveu o drama do golpe que derrubou Allende e levou Pinochet ao poder no Chile, em 1973. Em seu depoimento sobre o romance “Na pele dos meninos”, ela relembra como a mãe tentava proteger os filhos debaixo da mesa.

Leia o depoimento:

“Como o livro me trouxe inúmeras lembranças dos tempos do golpe militar no Chile – experiência que vivi com 6 anos -, e suas consequências traumáticas, confesso que escrever sobre “Na pele dos meninos” se tornou um desafio, no sentido de não misturar estas impressões adormecidas e a excelente narrativa do livro, que soube trabalhar este matiz das descobertas trazidas pela adolescência e os enfrentamentos das certeza no mundo adulto.

“Morava praticamente atrás da residência oficial do presidente Allende, que tomava boa parte de um dos lados de uma quadra. Do outro lado, uma série de residências particulares e um grande colégio de freiras, conhecidas pelo seu apoio ao governo legítimo.

“Sentimos o bombardeio como se fosse no quintal. A todo momento ouvíamos pessoas que pulavam os muros para dentro de nossa casa, ou rentes ao muro confrontante do colégio, alguns fugindo, outros invadindo a moradia oficial.

“Nos deslocávamos engatinhando pela casa, para que nossas silhuetas não fossem vistas através das vidraças que tremiam o tempo todo, pelas ondas de choque dos disparos, pequenas explosões e os helicópteros ou aviões em voos rasantes sobre as convicções de um governante e o povo que o elegeu.

“Lembro que brincávamos inocentemente com os diferentes cartuchos de bala que havia por todos os lados. Também inocentemente, minha mãe me colocou, junto ao meu irmão mais novo, embaixo da robusta mesa de jantar de madeira maciça, com todos os colchões da casa sobre ela.

“Lençóis formaram uma cabana, cujo interior foi forrado de almofadas para que pudéssemos brincar protegidos ou dormir, ou comer, como num forte, cujas laterais eram as cadeiras e uma poltrona grande.

“Ela chorou durante dias depois de ver o Palácio de La Moneda e suas imensas e espessas portas de roble - árvore reconhecida por sua resistente madeira de lei - perfurados, com buracos de todos os tamanhos, imaginando o que poderia ter acontecido conosco embaixo da já não tão grossa mesa de jantar.

“Parte da família foi espalhada pelo planeta em asilos políticos com diversas durações. Alguns parentes foram para o Estádio Nacional e conheceram de perto as indignidades de defender um pensamento.

“Para meu núcleo familiar, veio a mudança para o Brasil, nova língua e nova cultura... Enfim, ler “Na pele dos meninos” trouxe tudo isso de volta. Outros personagens, outros cenários, outras premissas e a proposição de pensar sobre estas relações humanas, tão delicadas, quanto as memórias que nos formam”.

LEIA TUDO SOBRE O LIVRO "NA PELE DOS MENINOS"

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