A farra da casa grande

Não sei se foi Balzac, mas disseram uma vez esta frase que se perpetuou (algo assim): toda grande fortuna esconde um grande crime. Talvez ficasse melhor assim: toda fortuna esconde um crime.

Porque, independentemente de ter cometido um crime tal qual a concepção convencional, toda fortuna, sim, é criminosa. E nada há de pior para justificar esse crime do que sua própria característica fundamental: a concentração numa só mão dos recursos que poderiam salvar milhares de pobres famintos injustiçados.

Teorias à parte, o fato é que o Brasil está tomado (talvez desde seu primeiro dia) pelos tentáculos abjetos de senhores cujo enriquecimento ilícito se dissipa entre as brumas de uma sociedade que já nasceu temente a Deus e a reis vagabundos, preguiçosos e covardes, pra dizer o mínimo daqueles comedores de galinha e entregadores do ouro, do ouro alheio, do ouro brasileiro.

De lá pra cá, o que mudou quanto à casa grande e à senzala? Quase nada. Hoje, é certo, às vezes encontram-se negros exploradores assumindo o lugar que antes era privilégio apenas dos brancos, e brancos miseráveis caindo na desgraça que antes era destino apenas dos negros.

Mas isso, digamos, fica por conta da miscigenação. Quanto ao restante da relação entre poder e miséria, o tom é, como sempre, definido pela fortuna.

Vejamos as denúncias que rolam pelo Brasil afora. Denúncias contra políticos de todas as cores partidárias. Denúncias que atingem grandes conglomerados empresariais. Donos de poder. Donos de fortuna. Capazes de tramar roubos que ultrapassam bilhões de reais, bilhões de dólares, bilhões de sacrifícios humanos, bilhões de sacanagens.

E todos, políticos e grandes fortunas, políticos e grandes fortunas criminosos, seguem com sua vida de champanhe, caviar e sorrisos debochadores.

Viramos, nós os miseráveis, nós que estamos do outro lado dos políticos e das grandes fortunas criminosos, viramos piada. Basta a eles mandarem seus porta-vozes darem uma explicação vagabunda qualquer e pronto. Está feito. Seus advogados fazem o resto. Seus recursos dão conta. Sua capacidade imemorial de destroçar o que acham pela frente é suficiente.

Roubam, matam e dão risada. Roubam, matam e tomam champanhe. Roubam, matam e comem caviar.

Riem dos miseráveis que, aqui embaixo, estão se comendo uns aos outros por causa das migalhas caídas das grandes mansões luxuosas, dos grandes palácios acintosos, dos grandes bolsos dourados.

Riem dos miseráveis que, aqui embaixo, estão trocando tiros nos morros, estão arrastando mulheres pelas ruas.

Riem dos miseráveis que, aqui embaixo, estão com putariazinhas de encoxar no metrô, de brigar no trânsito, de invadir clubes de futebol para depredar e sei lá mais o quê.

Riem porque têm motivos de sobra para rir. Têm dinheiro e, portanto, saúde, diversão e prazer.

Toda grande fortuna esconde um grande crime, disseram.

Toda grande fortuna esconde um bando de idiotas, digo. Um bando de idiotas, que somos.

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