Réquiem aos fantasminhas apaixonados

– Está bem, está bem, mas é a última vez que eu conto.
– Até parece…
– Caramba, já não tenho mais paciência para isto!
– Você fala assim todas as vezes que voltamos aqui. Aliás, você tem certeza de que foi aqui? O poste era este mesmo?
– Vê? Você sempre repete estas mesmas perguntas!
– Desculpe, desculpe, é a força do hábito. Não direi mais nada, mas conte, por favor.
– Sim! Foi aqui mesmo. Bem… o poste não, o poste era outro, de madeira, mas foi exatamente aqui.
– Era de noitinha…
– Sim, sim, de noitinha, você bem sabe. Você sabe tudo, de cor e salteado.
– Confesso que sim, mas gosto de ouvir você contar.
– Vê esta casa em frente? Estou para dizer que o portãozinho de ferro é o mesmo.
– Sério?
– E aquele velhinho dormindo na varanda era apenas um garotinho, pode acreditar.
- Sim, eu acredito!
- Eu a via todos os dias na escola, mas não tinha coragem para me declarar.
- Ela o conhecia?
- Não, não... não éramos colegas de classe nem nada. Estudávamos na mesma escola, apenas isso.
- Pois bem, continue.
- Vou pular os pormenores, sim? O modo como nos conhecemos e nos aproximamos...
- Está certo...
- Ocorre que naquela tarde, depois das aulas, já na saída da escola, ela me puxou pelo braço e viemos andando nesta direção. Estava frio e caminhávamos bem próximos, talvez instintivamente.
- Vocês se sentaram aqui?
- Sim, já estávamos sentados quando meu coração começou a dar uns trancos tão fortes que eu precisava disfarçar meu tremor. Por algum motivo, não sei qual, eu sabia que ela tomaria a iniciativa de se declarar a mim, e isso me atormentava bastante, eu me sentia um covarde por não ter sido eu o sujeito ativo da história.
- E então...
- E então ela pousou a mão fria no meu braço, olhou bem dentro dos meus olhos e sussurrou que precisava me dizer algo muito importante.
- E você?
- Eu não conseguia movimentar um dedo, era como se o tempo estivesse aprisionado numa grande bolha da qual fazíamos parte, ela, eu, o poste e todos aqueles insetos que voavam em torno da lâmpada e dos nossos olhos.
- Aí ela disse...
- Sim, aí ela disse.
- “Eu estou apaixonada...”
- “Eu estou apaixonada por aquele seu amigo, você pode me ajudar?”
- ...
- ...
- E depois?
- Não sei bem o que eu disse a ela, você já sabe. Quando ela saiu, eu não sentia mais frio, os insetos não me incomodavam mais, estavam todos voando em redor da luz, não havia mais luz em mim, só uma escuridão.
- E depois?
- Você sabe, não houve depois.
- Foi naquela mesma noite que você...
- Sim, foi, você sabe disso também.
- Ao menos você teve a chance da escolha...
- Este é outro motivo pelo qual não repetirei mais a história. Você se torna patético, como uma mocinha desamparada.
- Ah! Ah! Ah! É verdade. Vamos então, vamos assustar aqueles namorados folgados transando ali dentro do carro...
- Vamos sim!
- Buuuuuuu!
- Buuuuuuu!

Tags:

Comments are closed.