A saga dos meus três cachorros

Não tenho fotos dos meus três cachorros, mas este é bem parecido com o Pançi filhote

Não tenho fotos dos meus três cachorros, mas este é bem parecido com o Pançi filhote

Capítulo 1

Xwck (tradução: xuc) era o nome dele. Nada a ver com Chucky, que surgiu bem depois.

Meu cachorro, o primeiro de um total de três que eu tive quando era solteiro e morava na casa dos meus pais, é de 1976 mais ou menos. E ao contrário do boneco assassino, era lindo. Bem, não quando o encontrei sendo comido por formigas no meio de um matagal. À beira do mato, ouvi um grunhido em rumo incerto, mas assim mesmo vasculhei o local. E o encontrei. Em torno dele, as formigas formavam um só corpo. O chorinho que eu ouvia não era dele, mas da mãe, uma cadela vira-lata que, sem ter o que fazer diante da voracidade do formigueiro, emitia apenas um triste lamento.

Levei-o para casa praticamente em carne viva, dei banho e o alimentei. Ele se recuperou bem. E viveu alguns meses, até o dia em que um Fusca creme, dirigido por uma professora, passou por cima dele na rua em frente de casa. Foram três horas de sofrimento. Com hemorragia interna, ele teimava em não morrer. Fiquei com ele todo o tempo embaixo da mesa da varanda. Ele morrendo e eu chorando.

A mãe ficou por lá. Ao contrário do Xwck, era bem feia. Nós a adotamos e ela passou a dividir o espaço canino com outro cachorrinho, mas este era do meu pai. Curiosamente, um ou dois anos mais tarde, a cadela também morreu atropelada. Meu pai estava no portão e viu a cena. Ele ainda a chamou. Ela se levantou do asfalto e, mesmo cabaleando, veio morrer com a cabecinha sobre os pés do dono.

(Apêndice do Capítulo 1)

Fui injusto ao descrever quase friamente a morte da mãe do Xwck. E quero aqui me corrigir. Na verdade, pensando bem, a Preta foi durante os dois ou três anos que esteve por ali uma cadela especial. Como eu escrevi no episódio do atropelamento de seu filho, ela era um animal feio e desengonçado. Embora recebesse o nosso carinho, jamais atraiu de outras pessoas qualquer olhar de admiração ou uma palavra de apreço. E o interessante é que ela parecia ter consciência dessa condição, comportamento que remete diretamente à tese que eu defendo há tempos: o íntimo de um cachorro não é composto apenas do que conhecemos como instinto. Acho que nele também há uma espécie de alma.

Mas voltando à questão terrena, a Preta parecia conhecer sua posição de cachorra que só estava ali com aquela família por causa do filho que eu havia encontrado sendo comido pelas formigas. Ela parecia compreender que morava ali por um "favor". Quando por algum motivo a chamávamos, ela nos atendia de modo flagrantemente tímido, contorcendo-se, arrastando-se ao chão pelos últimos metros que nos separavam. Era de fazer pena. Mas ela nunca mudou essa atitude.

E no dia de seu atropelamento, também foi assim. Quando meu pai a viu destroçada após o acidente e a chamou, a Preta levantou-se do asfalto e veio morrer aos seus pés, com a cabeça literalmente pousada sobre seus pés. E veio como se aquele último ato fosse um pedido de desculpas pela falha grave e fatal que acabara de cometer.

Capítulo 2

No começo da década de 1980, eu trabalhava numa loja. Ao voltar para casa num sábado, já de noite, avistei a alguns metros à frente, na mesma calçada em que eu caminhava, uma pequena bola cinza que se movia lentamente. Ao me aproximar um pouco mais, vi do que se tratava: um filhote de cachorro, talvez com duas ou três semanas de vida. Olhei para os lados, para os portões das casas próximas, para uma ou outra pessoa ali por perto e nada me dizia que o animalzinho tivesse qualquer relação com o local. Sem pensar mais, resolvi levá-lo para casa.
Fora o tradicional choro durante a madrugada, o cachorrinho agradou a todo mundo. Era realmente uma bolinha. Gordo. E muito brincalhão. O fim de semana passou e veio a segunda-feira. Depois do trabalho e antes de ir para a escola, recebi da minha mãe a triste notícia. À tarde, uma mulher, junto com uma criança, buscara o cachorro. “A menina até ficou doente depois que ele sumiu”, justificou a mãe. A minha (mãe) não teve dúvidas e o “devolveu”. Claro, fiquei puto da vida. Já tinha gostado dele, como gostamos dos animais que de repente aparecem e entram em nossas vidas.
No outro dia, na hora do almoço, ainda triste pelo episódio, cheguei em casa e ao entrar na varanda dos fundos quem encontro, todo festivo, pulando para lá e para cá? Sim, ele mesmo. A mulher tinha voltado naquela manhã e devolvido o filhote. Explicou à minha mãe que se enganara e o verdadeiro cãozinho da filha havia reaparecido.
Final feliz para todos. Quase.
Dei o nome a ele de Pançi. Assim mesmo: Pançi, originário de pança. Ele era bem pançudo. Em poucos meses se tornou um belo vira-lata massudo. Mas veio o dia em que à noitinha o percebemos triste, amuado. No dia seguinte amanheceu morto, absurdamente inchado. Deram a ele o que chamávamos de “bola”, alguma comida envenenada.
Nós o enterramos no quintal. Mas não me lembro mais exatamente onde.

Capítulo 3

Dei o nome de Joãozinho ao meu terceiro e último cachorro. É que desde o primeiro dia, ainda filhote, ele me pareceu ser muito inteligente. Portanto, tinha que levar um nome de gente, eu pensei. E não deu outra. Foi o mais esperto e divertido dos três.
Fim dos anos 1980, meus quatro sobrinhos iam estudar juntos, sendo que o trajeto deles incluía a rua onde morávamos. E o Joãozinho os esperava no portão às sete da manhã para ir com eles à escola! Numa ou outra ocasião, aliás, foi barrado por tentar entrar na sala de aula.
Eu havia me formado em jornalismo e acabei saindo nessa época da casa de meus pais. Num certo dia, minha mãe me avisou por telefone sobre um fato estranho: o Joãozinho não dava as caras já fazia vinte e quatro horas. Havia simplesmente sumido.
Viajei o mais rápido que pude e, com a ajuda de meus sobrinhos, vasculhei a cidade à procura dele, incluindo o lixão para onde muita gente despachava os corpos de seus cachorros. Mas nada. Nem uma pista.
No fim me conformei com aquele destino. Imaginar que ao menos o Joãozinho não tinha morrido como os anteriores serviu como consolo. Decerto foi levado por alguém que gostou muito dele. Espero que ele tenha sido bem tratado e feliz com seu novo dono. Quando amamos alguém ou algum animal, não é esse o sentido do verdadeiro amor? Desejar sinceramente que quem amamos esteja bem, feliz e talvez melhor do que se estivesse ao nosso lado?

*** Fim ***

Tags:

Comments are closed.