‘Uísque sem gelo’, de Vitor Biasoli

“Ardem as montanhas sobre as minhas costas”. Assim começa o conto que dá nome ao livro “Uísque sem gelo” (Editora Movimento, 2007), do gaúcho Vitor Biasoli. Intensa e mordaz, e de uma sensibilidade desconcertante, a obra reúne doze histórias tão bem fundadas que a impressão é de um fervente caldeirão, bem ao nosso lado, sobre a brasa, exalando aquela leve fumaça que nubla nossa visão e aromas que clareiam nossos sentidos.

Quem leu “Calibre 22”, de 1999, conhece a profundidade do autor. É um livro de poemas cuja força literária se reproduz na prosa de “Uísque”.

Este poema, por exemplo, me deixou doido à época e jamais me esqueci dele (não exatamente da ordem das palavras, não o decorei, apenas o guardei no sentido mais amplo de quando apreendemos algo que nos vara):

Vento frio

Quando meu pai morreu
um vento frio quebrou o espelho
onde meu rosto se refletia

As cartas que não escrevi
ficaram perdidas para sempre

 

É o que eu mais gosto, embora respeite o poder do “Calibre 22”:

Guardo no meu bolso
uma bala calibre 22
para motivo de urgência

Em caso de necessidade
a usarei como bilhete de viagem
e irei morrer num banco de praça

Mas se tudo correr bem
a usarei como lembrete
da sombra que me acompanha

Há alguns dias, ao concluir “Uísque sem gelo”, num impulso busquei novamente o “Calibre 22” para reler, aleatoriamente, seus poemas. E ali está, sem dúvida, a porta de entrada para “Uísque”. Mas esta é apenas a opinião de um leitor, não de um crítico. Posso estar enganado, mas foi o que senti.

Os contos que reúnem adultério, relações desgastadas, lembranças juvenis, questões políticas e outros temas do cotidiano carregam consigo, como se um enfeite sutil no cabelo de uma personagem ou oculto na tinta das letras impressas, um quê poético que os tornam ainda mais atraentes.

Deve ser bom ser poeta. Porque quando você escreve, a poesia vem junto, naturalmente. Será que é assim mesmo? Não sei. Vitor Biasoli me dá essa impressão.

No fim de “Uísque”, a sensação foi de que também nas minhas costas passaram a arder as montanhas.

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