No bar, à meia luz

Sabe esses caras que adoram se gabar em supostas aventuras sexuais? Meu amigo X é um desses. Ontem, comeu a gostosa da vizinha. Anteontem, a prima. Amanhã vai sair com a irmã da cunhada. E por aí vai. É até divertido. Porque ele sempre exagera, tornando tudo suspeito. Mas não é que outro dia ele, ao menos uma vez, pareceu ter sido sincero? Estávamos num café discutindo negócios e, mostrando-se perturbado, ele interrompeu o papo para me contar o pequeno drama. Dessa vez, deu para acreditar.

Estava o X um dia desses num barzinho do Bixiga. Ele e, claro, uma moça. Que conhecera havia poucos dias, mas que – pasmem! – ainda não permitira os finalmentes. X não suportava mais aquela pequena seca. “Eu só pensava nela e ela nada.” Chegara para o encontro com um vestidinho curto e um sapato de salto alto que lhe empinava desgraçadamente as ancas. Conversa vai, conversa vem, bebida vem, bebida vem de novo, a certa altura ela pareceu “flexibilizar” a relação.

Num cantinho à meia luz, os beijos se tornaram tórridos, as mãos seguiram o curso que sempre seguem nessas horas. Pernas se entrelaçaram, a coisa esquentou pra valer. “Mas tinha muita gente, X?” Sim, o bar estava lotado e isso, na verdade, ajudava-o nos movimentos sorrateiros. Mas eis que, e não se sabe o motivo, X passou a se sentir atraído por uma conversa na mesa vizinha. Bem no meio do lance todo.

Dois sujeitos de certa idade ouviam um terceiro de idade maior ainda. O velhinho, de chapéu em plena noite paulistana, encontrava-se bem próximo a X. Talvez por isso fosse inevitável ouvi-lo. E enquanto cochichava indecências no ouvido da garota, enquanto apalpava suas coxas bem torneadas, enquanto sentia seu sexo latejar sob as mãos atrevidas de sua deliciosa companhia, X ouviu o velhinho.

Sim, era verdade, assegurava aos companheiros de mesa. Na parede da serra, no meio da vegetação carcomida pelo verão incandescente, é que se dera o caso, lá pelo norte da Bahia, entre Monte Santo e Canudos. Procurava o animal já fazia dias. Era de monta, indispensável ao dia a dia no sertão, à família pobre, à sua gente precisada.

“Eu já nem sabia direito se era quinta ou se era sexta. Só lembrava que tinha saído de casa no domingo à tardezinha.” O velhinho contava sua história com voz quebradiça, suspendendo a narrativa de instantes em instantes para tomar fôlego ou dar um pequeno trago. No fim das contas, encontrara o cavalo avermelhado. Posicionado no cume da serra, vasculhara toda a encosta com olhar espremido contra a paisagem tremeluzente. Sim, era ele mesmo. O Carambola estava lá. Mas como podia ser?

X, enquanto isso, retrocedera em sua empreitada. Involuntariamente suspendera o ataque. Agora ele era apenas o alvo. Agora ela é quem avançava na aventura pública. Abrira-lhe o zíper da calça! “Estava pendurado numa galhada, a crina balançando, o rabo pra lá e pra cá, como se nada tivesse acontecido com aquele tombo medonho que o coitado levou”, admirou-se o velhinho antes de beber mais um pouco. “Mas vivo?”, perguntou um dos ouvintes. “O que aconteceu?”, a garota sussurrou a X. “Mortinho da silva”, respondeu o velhinho. “Mortinho!”, repetiu X. A garota retraiu-se, tirando a mão de lá num repente.

O clima seria, segundo o velhinho, o responsável pelo fenômeno. “Hein, o que aconteceu?”, insistiu a moça. O cavalo, intacto, parecia vivo. Um cavalo voando no paredão da serra. “Que cara mais louco.” Só depois, ao chegar mais perto, é que o dono certificou-se do passamento. O bicho morrera de verdade, mas aparentava mesmo estar vivo. Vivíssimo. Gente mais humilde falou em milagre. Formou-se até romaria. E o Carambola ainda voou por bons meses antes de começar a se desintegrar, antes que se transformasse numa ossada que aos poucos foi caindo dos galhos.

Sem perceber, X fitava o velhinho incessantemente. Quando se virou, estava sozinho. Viu a garota, sobre os saltos, atravessando a rua. X encontrava-se inebriado pelo cavalo voador no sertão baiano. Só restava-lhe agora fechar o zíper e partir para outra.

“Marcião do céu, por causa de um cavalo morto e um burro velho, perdi uma potra no cio... ah!ah!ah!”

Pois é. História de besta.

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