silêncio


fez questão de desligar tudo.
tv, som, computador, telefone, microondas.
tirou até as pilhas do antigo disckman cinza – vai que o aparelho, velho gagá, soltasse uma nota ou outra…
fones de ouvidos escondidos em meias, espalhadas em gavetas.
queria silêncio.
era sua penitência.
afinal, poderia tirar os aparelhos da tomada, jogar as pilhas do velho disckman na privada, tocar fogo nos fones de ouvido, jogar pelas janelas cds, discos, fitas, mp3 – todos companheiros fiéis dos últimos anos.
poderia. e fez.
mas fazer o coração silenciar, impossível.
deve ter cabulado essa aula na sétima série. também não lembra de ter esse curso na faculdade.
se ignorar era impossível, terapia inversa: resolveu ouvir o coração.
coração… esse fanfarrão.
lembra-se da última vez que resolveu dar ouvidos ao safado. dava até para escrever uma cartilha.
primeiro, ele grita a plenos pulmões: euforia, felicidade, tesão, adrenalina, tudo se mistura de forma simples, harmônica, viciante.
são os dias dos sorrisos, das confidências, dos carinhos calculados, do sexo com gosto de para sempre.
de repente, bastardo que é (afinal, deve ser filho de algum músculo sem importância do corpo…), o coração começa a falar baixinho.
praticamente sussurra.
e é nessa hora que o canalha dá o aviso prévio.
avisa, num suspiro, que, a partir de agora, todo cuidado é pouco.
que essa sensação bacana pode durar para sempre – mas que sempre existe o risco de ela terminar ao fim do dia, e sem o pôr-do-sol.
e ri, com pena da gente.
vez ou outra, até dá conselhos – porém, como nunca se apaixonou, vai lá saber se são bons conselhos…
e ri de novo.
mas estava decidido.
dessa vez, ia ouvir tudo o que o coração ia dizer.
até as risadas.
se trancou no quarto, desligou tudo.
enfim, silêncio.
esperou.
esperou.
e esperou.
de repente, ouviu algo, bem baixinho.
era uma canção.
checou se o disckman estava sem pilhas mesmo.
estava.
sorriu. tem vergonha de admitir, mas até sentiu uma lágrima inundar o olho.
saiu do quarto, vestiu a camiseta vermelha preferida, calçou o coturno velho de guerra e saiu, apressado.
afinal, era hora de se apaixonar.

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