Aquela bala de hortelã – 2

Ao recuperar a consciência, na santa casa de uma cidade vizinha, para onde fui levado na mesma hora em que me socorreram durante o grande prêmio, o calor oprimia-me de tal maneira que tive a nítida impressão de estar sendo cozido para o jantar. Minha mãe vigiava-me e não pôde conter as lágrimas quando abri os olhos e sob a mais frágil das vozes disse aquela frase:

- Preciso chupar uma bala de hortelã...

Era curioso, mas sempre fui assim: enquanto nos dias de muito calor os outros costumavam banhar-se na pequena cachoeira do regato que descia da mata, para mim bastava tirar do bolso uma bala verde de hortelã e colocá-la na boca. Pronto. Uma sensação refrescante ocupava-me e eu ficava ali, debaixo dos galhos apenas observando a algazarra deles dentro da água. Sim, eu também apreciava a água, mas decididamente o paladar já significava uma espécie de condutor de minhas sensações. Minha mãe não carregava consigo nenhuma bala de hortelã no hospital, e mesmo que a tivesse, certamente não me teria dado antes de fazer o que fez: enfiar o dedo naquela campainha que liga o quarto do paciente à enfermaria. Além do mais, ela foi tomada por uma grande surpresa ao constatar um quase-milagre: mais tarde, muito mais tarde, pude saber que as esperanças quanto à minha recuperação eram mínimas.

Deixei o hospital duas semanas depois de cumprir uma via crucis de exames e de ficar na famosa observação, em que a última coisa que há é qualquer observação, a não ser dos seus parentes e amigos que vão visitá-lo. Claro, o médico autorizou que eu chupasse quantas balas de hortelã fossem-me possíveis. Quando a cidadezinha de Mirante Norte soube de meu retorno, não houve dúvidas: o “quase” foi extirpado do termo que usei há pouco, permanecendo soberano e indiscutível o “milagre”. Por algumas semanas, até que a poeira baixasse, tornei-me uma certa celebridade. E foi até engraçado, pois muita gente levou ao pé da letra os comentários sobre a recuperação miraculosa e, talvez obedecendo inconscientemente a uma marca própria daqueles anos sessenta, alguns moradores, não apenas crianças, mas também adultos, passaram a seguir-me em alguns hábitos. Por exemplo, quando souberam que meu primeiro desejo ao acordar foi chupar uma bala de hortelã, correram ao bar para estocar o produto que deveriam consumir em nome de uma boa sorte. Se eu usava um boné cor de abóbora, as ruas tingiam-se desse tom por um certo tempo. Na escola, eu podia mesmo receitar que tipo de caneta ou caderno meus colegas deveriam usar no decorrer daquele ano.

E quanto a essa parte da história, aconteceu algo inusitado. Num certo dia, fui comprar balas de hortelã no bar mais próximo de minha casa e elas tinham acabado. Só no mês que vem, quando chegar a próxima remessa, disse-me o seu Argeu. Tudo bem, havia outros bares e também dois armazéns. Percorri toda Mirante Norte, e nada. Os estoques de balas de hortelã estavam esgotados. Desse modo, parei de chupá-las, e percebi que meus colegas e todos os outros assim também agiram. Não sei que fim tiveram tantas balas nos estoques caseiros, mas depois, quando chegou a nova remessa, o verão já acabara e o friozinho do outono requeria uma boa bala de canela.

De pouco em pouco, deixei de ser o dono das atenções. A cidade esqueceu-se do milagre e voltou-se ao seu sossegado cotidiano. E nós aproveitamos para retomar nossos grandes prêmios. Mas, na minha cabeça, além de uma razoável cicatriz e de umas dores que, embora decadentes, ainda incomodavam-me às vezes, uma inquietação tomava corpo: a lembrança de Homero e de sua mãe, o menino com as mãos cobrindo o rosto, aquelas palavras: pobrezinho, mamãe, que tombo feio!

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