Segundamente – Texto de Otávio Nunes

Não sei o motivo, mas a cada domingo fico mais tenso à espera do
próximo dia, a segunda. Minha esposa atual, a segunda, vem para mim e questiona meus atos. Diz que tudo que faço tem segunda intenção, o que me deixa muito magoado. Quando vamos passear nos fins de semana, então, ela me conta que passa vergonha dentro do meu carro velho e me questiona com veemência se um dia vou comprar um zero-quilômetro em vez de outro, de segunda mão.

Minha segunda filha, também, vive a me apoquentar, mas pela minha opinião em relação a seu namorado, o qual eu acho um tremendo mala-sem-alça. Coitada, é a segunda tentativa dela em encontrar o príncipe encantado. Eu, pai desalmado, acho que o infeliz jamais deixará de ser sapo, mesmo com mil beijos dela. Preciso urgentemente, entretanto, fazer uma segunda avaliação do rapaz. Pensando bem, até que é um sapo simpático. Mas, se abre a boca...

Outro fato constrangedor é o fardo da idade, que me deixa cada vez
mais esquecido. Às vezes erro até o nome do meu chefe. Ainda bem que na segunda tentativa, depois de uma bronca, eu costumo acertar. O
esquecimento e distração me causaram ontem mais um enorme transtorno.
Perdi minha carteira de identidade e terei de tirar a segunda via. Até
mesmo meu ouvido já não ouve como antes e tenho de pedir à pessoa que me fale uma segunda vez.

Outro motivo que atiça minha ira é a situação do país. Somos tão
desrespeitados todos os dias que parecemos cidadãos de segunda classe.
Aliás, esta expressão ouvi de um professor de Sociologia que tive na
segunda série da educação secundária que hoje se chama ensino médio.
Essa disciplina era minha segunda favorita, vindo logo depois de
História. Democrata convicto e republicano, mais parlamentarista que
presidencialista, não gosto de governantes que se perpetuam no poder.
Reeleição? Sim. Mas só pela segunda vez.

Depois de tudo isso, só faltava mesmo meu time cair para a segunda divisão.

E-mail: otanunes@gmail.com

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