Três tigres tristes – Texto de Dudu Oliva

O título já dá a idéia da narrativa: refere-se a um trava-línguas* famoso. É um romance com diversos personagens que caminham por La Rampa, o bairro boêmio de Havana, entrando e saindo de cabarés, mantendo longos diálogos. Os personagens estão o tempo todo citando uns aos outros. O livro não é caótico, esta idéia é equivocada. A narrativa é anacrônica, mas os personagens e episódios possuem conexão. Não há um narrador onisciente. Existem diversas vozes que contam suas respectivas concepções de mundo. O livro contém várias técnicas literárias, cinematográficas e musicais diluídas ao longo da narrativa. O escritor de um dos romances mais complexos da Literatura hispano-americana Guillermo Cabrera Infante nasceu a 22 de abril de 1929, em Gibara, Cuba. Faleceu a 22 de fevereiro de 2005, em Londres, Inglaterra. Ele tem uma paixão desmedida por Havana, que é facilmente detectada na fantástica recriação que faz na linguagem, através de jogos de palavras.

ADVERTÊNCIA

O livro está em cubano. Quer dizer, escrito nos diferentes dialetos do espanhol falados em Cuba e a escrita não é mais do que uma tentativa de captar a voz humana no vôo, como se diz. As várias formas do cubano se fundem numa só linguagem literária. No entanto, predomina como característica a fala dos havaneses e em participar o jargão noturno, que, como em todas as grandes cidades, tende a ser um idioma secreto.
A reconstrução não foi fácil e algumas páginas devem ser melhores ouvidas do que lidas, não sendo má idéia lê-las em voz alta. Terminando, quero fazer meu este reparo de Mark Twain:

"Dou estas explicações pela simples razão de que sem elas muitos leitores pensariam que todos os personagens tentam falar igual sem consegui-lo."

Epígrafe

"E tentou imaginar como seria vista a luz de uma vela quando está apagada." Lewis Carrol

Três Tigres Tristes faz referência ao livro Alice do país das Maravilhosas, deste autor, principalmente nos jogos de palavras e brincadeira com a imagem invertida no espelho. Estas técnicas são utilizadas para mostrar as diferentes realidades fragmentadas em que vivemos.

Estrutura da Narrativa:

– Monólogo de uma linguagem oral de uma menina que acompanha uma amiga, Aurelita, de baixo do caminhão para observar o que Petra Cabrera e seu noivo faziam quando estavam sozinhos. Também, muitos queriam saber o que elas faziam em baixo do caminhão. E ela embromava, mas não dizia o que faziam.

– Uma carta de Delia Doce a sua comadre Etelvina que conta a perdição de sua filha ( Glória Peres), que se converteu em uma estrela da publicidade com o nome e a profissão de Minerva Eros.

– Monólogo oral de jovem Magdalena Cruz, sobre a ruptura com sua mãe e curtir as noites de Havana.

– Monólogo de um tal Silvestre que lembra os tempos de criança, quando ia ao cinema com seu irmão mais velho e aconteceu um atentado terrorista. "provavelmente um ajuste de contas de gangsters que habitavam Havana pré-fidelista" (Monegal).

– Conversa telefônica, a qual só se escuta uma mulher falando com a outra. Não deixa de ser um monólogo também.

– O monólogo de Eribó sobre sua visita ao Dr. Viriato Solaín para pedir aumento de salário. Ps: Eribó ou Silvio Ribot, que se explicará mais adiante. (idem).

– O monólogo de Arsênio (ou Cuê) em que conta a visita a um homem rico e que lhe dá um tiro. (este relato é cortado e só será completado na última parte do livro.)

– Um monólogo de Codác intitulado "Ela cantava Boleros". Sua relação com uma pessoa grotesca e ao mesmo tempo cheia de vida. Sua voz maravilhosa não precisava de orquestra.

– Um monólogo intitulado "Primeira", o qual é um relato de uma mulher psicanilizada. Não tem identificação. E ao longo do livro os seus relatos aparecem e se desfecham no final.

ETAPAS DO LIVRO

• Prólogo. Um maestro que fala em várias línguas (espanhol e em inglês) num cabaré TROPICANA.

• Os estreantes. Fala das pessoas simples de cuba. Sonhos de se dar bem de vida. (A estrutura da narrativa citada a cima é contada nesta primeira parte).

• A casa dos espelhos. As várias visões e interpretações dos boêmios da noite cubana. Bustrofédon, Cuê (ator), Codac (fotógrafo), Silvestre(escritor) e o Eribó (baterista). Como em os Três Mosqueteiros do escritor francês Alexandre Dumas, são quatro.

• Sessiribô a abertura é uma lenda. Ekuê era mítico e vivia num rio sagrado.

• Os visitantes. Versões diferentes do marido e a esposa sobre os fatos, principalmente da bengala roubada aparentemente roubada.

• Quebra-cabeça. Narra a complexidade do Bustrofédon, que faz jogos de palavras e brincar de colocar as palavras no espelho, produzindo o fenômeno físico da inversão. Aluda/adula, aval/ lava, rama/amar, sala/alas, Eva/ave. Nesta parte do livro há reflexão de diferentes realidades. Guillermo Cabrera Infante tem a genial idéia de transformar a linguagem em personagem. Bustrofédon é um antigo sistema de escrita, patente em manuscritos e inscrições da Antiguidade, onde a direção da escrita, ao contrário dos modernos português e inglês (escritos da esquerda para a direita) ou árabe e hebraico (escritos da direita para a esquerda), alternava consoante as linhas.

• A morte de Trotsky segundo vários escritores cubanos.

• Algumas revelações. As duas primeiras páginas estão em branco e um texto normal e outro invertido (como o personagem B adorava fazer). Que sempre gostou de fazer brincadeiras... e o desfecho do relato Ela Cantava Boleros.

• Farra. Cuê e Silvestre andam pela noite cubana e discutem sobre literatura e tradução das grandes obras literárias e Silvestre e Cuê reencontra Magalena ...

• Epílogo- monólogo de uma mulher surtada.

Fontes:

Emir Rodriguez Monegal. NARRADORES DE ESTA AMÉRICA ( t. 2)
Editorial Alfa Argentina.

C. Cabrera Infante. Três Tigres Tristes. Tradução de Stella Leonardos. Editora Global. 1980

http://www.webboom.pt/autordestaque.asp?ent_id=1113736&area=01

http://www.revista.agulha.nom.br/ag44infante.htm

http://www.revista.agulha.nom.br/ag50infante.htm

* Tigre

Dê o trigo para os três tigres no prato de prata.
Em três pratos de trigo comem três tristes tigres.
Num prato de trigo três tigres tristes comiam. Um tigre, dois tigres, três tigres.
O menino deu trigo ao tigre e o tigre comeu todo o trigo.
Tire o trigo dos três tigres.
Três pratos de trigo para três tigres tristes.
Três tigres tristes para três pratos de trigo.
Traga três pratos de trigo para três tigres comerem.
Um saco de trigo para três tigres tristes.
Um tigre, dois tigres, três tigres.
Um prato de trigo para os três tigres.
Um tigrinho, dois tigrinhos, três tigrinhos.

E-mail: dudu.oliva@uol.com.br

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