Descobrindo a pólvora

Antes tarde do que tarde demais. Nem sempre dá para processar em tempo real tudo o que a vida apresenta em todas as nuances de cinza que permeiam as verdades aparentemente absolutas do preto ou branco. Mesmo assim, ao longo do meu trajeto por estas bandas da vida, vou devagarzinho conseguindo captar aqui e ali algumas coisas que me impressionam, me chocam ou me encantam. Tudo pessoal e sujeito a discordâncias, benzadeus. Principalmente estas últimas descobertas.

Sempre ouvi que cinema, literatura, teatro e artes em geral não têm poder suficiente para provocar uma revolução ou mudanças radicais na vida de alguém, a não ser o gozo estético. Não é verdade. Mudam, sim, e dependendo do grau de impacto, até viram o trem ao contrário e ele passa a andar com a locomotiva atrás. Vão me dizer que revoluções políticas, mudanças na vida, quebra de paradigmas acontecem do nada? Difícil acreditar. Por trás de mudanças pode até estar uma tragédia pessoal, mas elas certamente também nascem da observação do que acontece, incluídos aí determinados filmes, livros especiais, certas músicas, uma peça que te faz voltar várias vezes ao teatro para revê-la, conversas com pessoas criativas e interessantes. Como fazem bem esses encontros e como mexem o caldo! E tudo pela sensibilidade de pessoas especiais ou de artistas de todos os tipos que a partir de um determinado momento da nossa vida se tornam inesquecíveis.

Também descobri que raríssimas pessoas, talvez duas ou três no mundo, realmente sabem o significado de segredo. Se não quiser que ninguém saiba o seu, não o conte para ninguém. Simples assim. Mesmo uma amiga de fé, sabendo que você só está falando porque precisa compartilhar alguma situação pessoal sufocante, pode achar que comentar com o companheiro, com a filha ou com outro amigo de fé não chega a ser traição da confiança, pelo grau de intimidade entre eles. Mas é. Essas outras pessoas não foram escolha sua para compartilharem o assunto. Aprendam isso, amigos de fé, casados ou solteiros.

Outra coisa: expressões consideradas politicamente corretas em geral me soam bem discriminatórias. Por que uma pessoa negra deve ser descrita como afro-descendente, e não negra, se as pessoas brancas são chamadas de brancas e não de luso-descendentes ou caucasiano-descendentes? Não é uma maneira de discriminar o negro mostrando que há necessidade de inventar um termo substituto para a sua cor? E a denominação “deficiente visual” não pesa mais que “cego”? “Pessoas com necessidades especiais” é o termo considerado adequado para casos de deficiência, mas também poderia se referir a um mendigo em farrapos, esquecido pelo mundo, sujo e malcheiroso, dormindo sobre um papelão na calçada. Não sei, talvez os discriminados saibam melhor como se sentem com esses apelidos estranhos e supostamente corretos. A mim dão má impressão.

E o que eu nunca pensei que fosse levar tanto tempo para descobrir e que todos os comedores de bombom já devem saber há milênios, é que o papel que envolve o Serenata de Amor traz no seu interior duas frases que falam de amor, companheirismo, amizade, planos etc. Imediatamente elas me remeteram a uns cadernos que, no meu tempo de colégio, as meninas passavam pelos amigos para eles escreverem mensagens e frases para a dona do caderno. O tom daquelas mensagens era mais ou menos o mesmo das frases do Serenata. Uma que li no papelzinho amarelo no dia da descoberta foi: “Tudo o que é bom dura o tempo necessário para ser inesquecível”, dando um drible danado de bom na frase original, pessimista, que diz que tudo o que é bom dura pouco. Sei não, mas essa minha nova leva de descobertas tem tudo para se tornar inesquecível. Mesmo que todas elas sejam simples descobertas da pólvora para outros.

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br

Comments are closed.