O que Nelson faria hoje? – Texto de Fernando BH

A vida de Nelson Rodrigues no século 21 seria muito chata. Primeiro, porque iria se irritar com o politicamente correto que predomina hoje. O cigarro, por exemplo, companheiro inseparável do anjo pornográfico: não tem mais o glamour daqueles tempos (recente pesquisa do DataFolha constatou que só 9% dos brasileiros vêem charme nas baforadas). Nelson dedicaria linhas e linhas criticando a patrulha coletiva pela saúde. "Cada um que cuide da sua", vociferaria.

Sobre a maior tolerância a respeito da sexualidade, tenho minhas dúvidas. O conservador Nelson aprovaria casais gays em novelas? Escreveria em suas peças personagens homossexuais que não tivessem o estereótipo da promiscuidade? Acho que sim. Quem soube lidar com o erotismo tão brilhantemente como Nelson Rodrigues, haveria de saber que desde que se fez a luz o prazer não é exclusividade do encontro hetero. Resta saber se no futebol ele admitiria tal manifestação...

Aliás, resta saber se Nelson Rodrigues continuaria gostando de futebol! Seu Fluminense, apesar de atual campeão da Copa do Brasil, não inspira muitas exclamações. Afinal, o enfoque de suas crônicas sempre foi a magia do drible e o toque sutil de atletas elevados à condição sobrehumana - que o bom Thiago Neves, o 10 do Flu, está longe de alcançar. Acharia um disparate o melhor jogador em atividade no país ser um goleiro, antes aquela figura melancólica que faz até morrer grama em seu espaço de atuação. Refeito do susto, porém, reconheceria em Rogério Ceni um diferenciado e diria que Dunga tem uma miopia maior que a sua.

Quase disposto a mudar-se para a Europa, Nelson ficaria eufórico com a possibilidade de acompanhar Ronaldinho, Kaká e Robinho de perto, os que hoje mais se aproximam da condição celestial. Dia 17 de outubro, a Seleção enfrenta o Equador, pelas Eliminatórias da Copa, no Maracanã, a segunda casa do cronista. Não é mais o Escrete (termo dele que personificou a Seleção), mas continua o melhor do mundo. E sem complexo de vira-latas, pois todos os jogadores têm pedigree: são poliglotas que visitam os grandes museus do Velho Mundo. Isso também o deixaria pasmo.

No meio dessas suposições, um pulga atrás da orelha me diz ainda, preocupada, que é bem provável que ele, passional como é, visse coerência na forma de agir de Eurico Miranda. Fique bem onde está, Nelson, na eternidade. Até porque as redações foram invadidas por mulheres inteligentes, independentes e que, definitivamente, não gostam de apanhar.

E-mail: fernando_bh@yahoo.com.br

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