ele – Texto de Thiago Roque

Ele não sabe o que é amar.
Não, senhor. Não faz a menor idéia.
Pobre diabo. Nunca chegou perto. Jamais teve fagulha deste bem-querer.
Justiça seja feita: tentou, uma única vez. Passou longe. Gosto de bolacha amanhecida.
Cuspiu. E cerrou as portas.
Na infância, trocava as manifestações de carinho pela cabeça baixa, envergonhada, medrosa, assustada com o desconhecido.
Na adolescência, herege convicto, nunca acreditou que beijos e experiências trocadas, roubadas, às vezes até permitidas nos muros da cidade poderiam acender-lhe chama do verbo.
Hoje, faz tanta falta… Se soubesse…
Mas sabe o que é certo. Mas sabe o que é ser bacana. Mas sabe de suas necessidades.
Escova os dentes. Trata o garçom com educação. Tem tesão.
Mas amor, nadica. Sem pé cansado nem chinelo velho.
Ninguém para discutir se o pivete vai chamar João ou Petrus.
Não acha no supermercado. Já procurou na farmácia. Nos dois locais, só encontrou solidão na promoção – comprou dez quilos para não deixar faltar na despensa.
Vidinha ordinária. De dar dó.
Sem frio na barriga, abraço aconchegante, beijo na testa.
Sem precipício. Só a constante queda livre.
Poesia cega, surda e muda. Amputada. À base de morfina.
Conhecia só o silêncio ensurdecedor de seus próprios demônios no final de noite.
Um dia, ela, deitada e envolta pelo desejo, disse a ele: “Me ame”.
Ele a colocou de quatro.
Amém.

E-mail: roque.thiago@hotmail.com

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