O show não pode parar – Texto de Reinaldo Chaves

Foi em um estádio, ou melhor, em um clube, ou melhor, em uma quadra de esportes, isso mesmo. Afinal nem 100 pessoas chegaram a ir ao show. Velhos sucessos e músicos veteranos não é uma combinação que dá certo. Os Rolling Stones estão gagás e lotando até praias, você vai dizer. É verdade, mais um motivo para encher a cara de raiva.

Até propus para a gravadora um acústico, está na moda essa porcaria para levantar as múmias da indústria fonográfica. Minha idéia original foi apreciada, mas tem uma fila de vovôs na frente. Acho que até eu completar 80 anos minha banda consegue gravar.

Essa injeção de violinos desafinados seria bem-vinda porque mais uma vez foi lamentável como terminou aquela apresentação. Sem bis e nem a platéia fazendo questão de pedir. A iluminação e o retorno também eram uma porcaria. Dou graças a Deus que esses fãs corajosos pagaram o ingresso. Eu não pagaria.

Como líder não sou o cara aglutinador da banda não, muito pelo contrário. Acho que devíamos parar e montar um estudiozinho, uma escola de música, tentar agenciar algum pirralho ou produzir discos, sei lá. Nossa lenda viva da guitarra, Mateus Fausto, é que é o entusiasmado, o cara que até hoje vive nos anos 70. Às vezes tenho inveja dele, ele ainda faz aqueles solos intermináveis de guitarra como se fossem a maior novidade do rock'n'roll. É a vida... Como precisamos pagar as contas e pensões alimentícias e não sabemos fazer outra coisa, ainda estamos na estrada.

Por diversão nem é tanto mais. Eu não tenho saco para aturar quarentona gordinha, com boca de cinzeiro e que diz ter começado a namorar o ex-marido me ouvindo quando mocinha. Se fossem pelo menos aquelas cavalas conservadas, mas essas são raras.

Nesse último lugar que fizemos o show mesmo, cidade interiorana com poucos bares abertos de madrugada, nem tem o que fazer. Pagaram umas cervejas para a gente num boteco só com homem, não agüentei ficar duas horas no lugar. Nosso roadie me levou no hotel e pulei na cama para esquecer.

A merda é que quem foi rei não perde a majestade ou velhos hábitos não podem parar, para ser mais exato. Na esperança de que aquele hotel não fosse um estabelecimento respeitável liguei às 3h da manhã na recepção pedindo os serviços de uma acompanhante. Não me surpreendi com a resposta do porteiro, 'esse hotel não trabalha com isso', mas fiquei emocionado com a prestatividade do sujeito, que se ofereceu para olhar no jornal local os anúncios de vagabundas e descolar umas para mim.

Um hedonista nesse fim de mundo, aleluia! Fiquei feliz com essa descoberta e o alto teor alcoólico no que restou do meu cérebro me deram a coragem para agradecer a gentileza e retribuir com outra: chamei-o para vir participar de uma festinha em meu quarto. Passado um tempo sei que esse favor oferecido foi na verdade uma fria, pois quem ia querer uma bicha velha?! Mas não estava nem aí, só bêbado e a fim de curtir com aquele cara do qual nem lembrava direito o rosto.

Após alguns segundos de silêncio no telefone o gentil porteiro respondeu "vai tomar no cu sua bicha" e bateu o fone na minha cara. Hoje agradeço esse infeliz, afinal repetir minhas experiências de sexo livre do passado com um Sebastião cabeça chata é muito fim de carreira. Acabei me contentando com uma nobre garrafa de Presidente que enfeitava o péssimo bar do quarto.

O mais fantástico dessa apresentação, porém, foi acordar depois de porre com Mateus Fausto no meu quarto tocando air guitar e solando com a boca com o pretexto de mostrar uma nova música que tinha acabado de compor no banheiro. Imediatamente o mandei a merda no velho espírito rock'n'roll e voltei a dormir.

E-mail: reichaves@hotmail.com

Comments are closed.