Memórias de minhas putas tristes – Texto de Dudu Oliva

MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES, Gabriel García Márquez

“Não devia fazer nada de mau gosto, advertiu a mulher da pousada ao ancião Eguchi. Não devia colocar o dedo na boca da mulher adormecida nem tentar nada parecido.” Yasunari Kawabata (citação retirada do livro a cima)

Ganhei este livro de aniversário. Texto enxuto e de poucos personagens. Na minha ignorância fiquei em dúvida ao gênero da história. Foi classificada como romance colombiano e a considerei como novela. O professor da pós me esclareceu que na língua espanhola não há diferença entre o romance e a novela, diferente da língua portuguesa, que classifica o romance como histórias extensas e a novela, narrativas curtas.

Só havia lido dois de Gabriel García Márquez: CEM ANOS DE SOLIDÃO e CRÔNICA DE UMA MORTE AUNCIADA. Achei que o autor foi mais despretensioso neste último romance em relação aos outros dois. A obra A CASA DAS BELAS ADORMECIDAS de Yasunari Kawabata ( 1961) inspirou Márques, que fez um conto com a mesma temática: O avião da bela adormecida (“Doze Contos Peregrinos”, Editora Record — Rio de Janeiro, 1999, pág. 79).

Em MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES, um senhor de 90 anos, ao se dar conta de sua solidão e da decadência dos valores de outrora, decide se presentear com uma noite em companhia de uma jovem virgem.

Com o tempo, conhece o verdadeiro amor pela primeira vez aos 90 anos. Observa a menina dormir, quer cuidar dela e velar o seu sono. O texto faz referências a vários contos de Perrault (principalmente A Bela Adormecida), A História Sagrada, As mil e uma noites (“numa versão desinfetada para crianças”) a “ … A montanha mágica, que me ensinou a entender os humoresde minha mãe desnaturalizados pela tísica” e “ Lendo Os idos de março encontrei uma frase sinistra que o autor atribui a Julio César: é impossível não acabar sendo do jeito que os outros acreditam que você é …”.

O protagonista através dos pensamentos e das lembranças mostra como a literatura lhe ajudou na formação individual e existencial. Era o que se segurava, já que vivia um presente decadente na velha casa, o dinheiro e o prestígio da família estava em decadência e era o último sobrevivente de sua geração.

A jovem Degaldina, como no conto A Bela Adormecida, passa o tempo todo dormindo. Todavia, paira em todo o tempo na história. Não pude deixar de fazer uma conexão com o texto NA TERRA DAS FADAS de Bruno Betteheim, o qual analisa psicanaliticamente os personagens dos contos de fadas.

“Enquanto muitos contos de fadas frisam os grandes feitos que um herói deve executar antes de ser ele mesmo, A Bela adormecida enfatiza a concentração demorada e tranqüila que também é necessária para isso. Durante os meses que antecedem a primeira menstruação, e freqüentemente no período imediatamente posterior, as meninas ficam passivas, parecem sonolentas e refugiam-se dentro de si.”

Mesmo que ela não seja a protagonista, o ancião viveu este período de sonolência, relacionando-se carnalmente e superficialmente com "as putas" e outras mulheres. “A Bela Adormecida, que têm como tópico central um período de passividade, permite ao adolescente em flor não se preocupar durante o seu período inativo: ele aprende que as coisas continuam a acontecer. O final feliz assegura que ela não ficará presa permanentemente na imobilidade mesmo que no momento esse período de quietude pareça durar cem anos.”

Não quero dizer que o autor quis dizer isto, mas no meu ponto de vista A Bela Adormecida não é só a garota, mas o ancião também - por haver "dormido" num longo período e acordado para viver um grande amor. Até então, ele só vivia de memórias.

E-mail: dudu.oliva@uol.com.br

Comments are closed.