“Meu filho” – Texto de Dudu Oliva

Ventre cheio, olha para o céu e alisa a enorme barriga. Esperança e medo se misturavam em pensamentos dialéticos. Queria amar plenamente, mas sem posse. Um leve constrangimento de se ouvir “meu filho”. O marido havia viajado a trabalho. Estava repleta de amor, porém, sentia uma leve angústia de que poderia ser efêmero. Lembra que quando está no carro ou no ônibus a paisagem corre em seus olhos. Às vezes, só percebe vultos e luzes. O tempo moderno devora tudo. Pensa na sua mãe: “ela queria que eu fosse tanta coisa. Seguimos modelos, como rompê-los?". Lembrou que um professor disse que o instinto materno no ser humano é um conceito construído. “As mães humanas não sentem os filhos pelo cheiro, quando os nenéns nascem, precisam ser identificados na maternidade”.Desejava sentir o filho pelo cheiro e continuar a exercer o conceito formado do que é ser mãe. Olha a cidade: iluminada, bonita e perigosa. Pensa na violência, aquecimento global, desemprego, miséria... “Será que ter filhos neste mundo não é um ato de loucura? Abortar seria uma prova de amor?". A cidade está silenciosa, só alguns barulhos remotos. “Filho, vou tentar te educar. Não sei se vou conseguir te proteger de todo mal. Você terá que viver a sua vida. Tentarei estar ao seu lado, mas não posso prometer nada. Sou só uma pessoa que vive na imensidão deste mundo, nem sei do meu destino e não posso ter a pretensão de tentar tomar conta do seu. Seja bem-vindo a este mundo que ora é uma dádiva, ora uma merda federal”. Vai à cozinha e prepara um chá de camomila, o sono chega de mansinho. A cama aconchegante a protege. “Será que é assim que os bebês ficam no útero? A minha mãe dizia que eu não queria sair de seu ventre. Dei a maior trabalheira aos médicos". O sol começa a nascer entre os arranha-céus.

E-mail: dudu.oliva@uol.com.br

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