A fotografia (conto) – Texto de Reinaldo Chaves

A viagem estava marcada há 4 meses, não tive coragem de cancelar. Na estrada fui pensando no que dizer, mas apesar das longas horas não me decidi sobre como tratá-lo. Que fosse com um abraço primeiro ou logo a explicação da minha vinda, só iria decidir na hora.

Essa ansiedade não era prevista. Para falar a verdade só queria mesmo mandar uma carta, só depois achei melhor viajar. Ele só tem 11 anos, mas sinto medo da reação que ele pode ter.

Na rodoviária, talvez exatamente pelo medo, acabo deixando para sair por último do ônibus. Logo reconheci Marcelo entre as várias pessoas que aguardam o desembarque. Ele também me vê e corre até mim.

- Que bom que você veio, pai... - ele diz me abraçando e apertando sua cabeça na minha barriga.

Após ficar sem reação por um tempo, soltei minha bolsa no chão e abracei timidamente o menino.

- Tudo bem com você, Marcelo? - foi o máximo que consegui dizer após ele desgrudar de mim.

- Sim, papai. O senhor vai comigo no jogo?

- Jogo? Não sei... que jogo?

- O senhor tá brincando! O meu time joga hoje na cidade, por isso pedi para que viesse nesse dia.

- Ah, sim! Estava na carta que você mandou...- fico com um sorriso amarelo.

- Essa aqui é a minha prima, a Marília.

- Prazer.

- Prazer - nos cumprimentamos.

- O senhor está um pouco diferente da foto - diz ela secamente.

- Que foto?

- Essa aqui pai, que o senhor mandou. Pára de brincar - diz ele sorrindo.

Pedro não tinha muitas fotos dele, principalmente depois que nosso guarda-roupa pegou fogo. Quando ficou doente, então foi pior. Ele se negava a tirar qualquer foto, dizia que não queria se lembrar dessa época.

A fotografia que Marcelo mostra foi tirada por uma amiga há dois anos. Estávamos no Parque da Redenção tomando vinho e Maria começou a tirar fotos. Nessa eu estou com os braços nos ombros de Pedro e os dele rodeando minha cintura. Fiquei feliz em ver essa imagem mais uma vez.

- O senhor engordou um pouco - mais uma vez ele sorriu para mim. - E o seu amigo, o Zé, está bem? - me perguntou em seguida.

- Bom, meu filho...- fiquei pensando alguns segundos no que acabei de dizer e no que iria responder. - Ele, ele ficou doente, uma doença séria. O Zé infelizmente morreu - disse com um pesar verdadeiro.

Marcelo também lamentou e me abraçou de novo. Eu chorei e dessa vez o abracei forte. Nosso dia foi lindo. Marcelo lembra muito o pai, gosta de puxar conversa, gosta de olhar as pessoas e tentar imaginar como elas são, não sabe muito bem guardar segredos e tem dificuldade para pensar uma coisa e falar outra.

Nas cartas e fotos que esse menino mandava para o Pedro ele contou tudo isso e naquele dia pude ver que era tudo verdade. Ele fez questão de ir ao jogo com a camiseta do Grêmio que eu trouxe para ele. Ficou um pouco grande, mas estava bonito. Perdi a conta de quantas vezes fui apresentado: - Esse é meu pai. - Muito prazer, passeando? - no estádio, sorveteria, praça, vizinhança.

Só fiquei sem graça no começo, depois até comecei a puxar papo, perguntei como um pai para os conhecidos de um filho se ele ia bem na escola, se respeitava os amigos, se era feliz.

Imaginei que seriam poucas as chances de eu pernoitar naquela cidade, ainda mais na casa de Marcelo, mas acabei ficando com muito gosto. Ele até quis dormir comigo na cama, mas eu e a prima dele achamos melhor não.

Dormi no quarto que era da mãe dele, a Sílvia, que morreu quando ele tinha cinco anos. Ele foi criado pela tia, que também morreu há um ano. Hoje, mora com a Marília, que tinha 22 anos. Foi ela quem encerrou minha noite.

- Boa noite.

- Boa noite.

- Não vai perguntar se estou bem de saúde? - disse ela.

- Por quê? Você parece tão bem.

- Pensei que ainda se lembrasse, dizem que você chorou tanto. Quando eu tinha dois anos você me deixou cair quando eu estava no seu colo. Minha mãe diz que você ficou mais desesperado do que ela.

- Sim, lembro... mas vejo que você está super bem hoje.

- Eu sei que você não é meu tio. Minha mãe guarda uma foto dele. O Marcelo não sabe porque ela tinha medo que ele ficasse triste. Ele foi embora quando meu primo tinha três anos. Sabe, ele ficou muito feliz quando o Pedro, ou seja lá quem for, começou a escrever para ele. Você viu como ele está feliz hoje, não quis estragar isso. Mas não brinca com ele, vai embora hoje à noite mesmo.

- Eu, eu também fiquei muito feliz hoje. Eu viajei de tão longe para dar uma notícia horrível para esse menino. O Pedro, o pai que ele mal conheceu, morreu há três meses. Assim que ele ficou doente começou a escrever para o Marcelo, queria de algum jeito recomeçar, pedir perdão. Ele tava tão mal, mas pensava que era importante dar de alguma forma amor para o filho antes de morrer. Ele nunca escreveu contando que estava doente, só queria dar amor e alegria para o Marcelo e quando melhorou um pouco tomou coragem para começar a planejar a viagem. Mas a merda do câncer não deixou que ele viesse ver o filho! Eu não tive coragem de contar isso para o Marcelo quando ele mostrou aquela foto. Ele me confundiu com o pai. O Pedro não deve ter explicado direito quem era quem na carta que mandou. Achei também que eu devia isso a ele. Sei que ele queria muito estar no meu lugar e eu me senti muito feliz de estar de certa forma realizando o último desejo dele.

- Mas e agora? Como vai ficar o menino?

Não fui embora naquela noite, fui um dia depois, me despedindo de Marcelo como se fosse seu pai. Os anos passaram-se e ainda não contamos nada para ele. Eu visito ele em todos os feriados e ele já me foi ver duas vezes em Porto Alegre. Sei que um dia ele vai descobrir tudo, mas com o tempo não era apenas eu que resolvia a carência de um menino por seu pai. Ele também me dava a alegria de ter um filho. E eu não quero mais perder isso, como perdi o Pedro.

E-mail: reichaves@hotmail.com

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