Os mocinhos que se cuidem

Pelo menos nas novelas, parece que os mocinhos, os good guys, os personagens de bom caráter estão sendo ofuscados pelos vilões, os bad guys e os mutreteiros. Quanto pior o caráter, mais sobe o ibope para o seu lado e mais alto é o índice de audiência na expectativa sobre o que o dark side vai aprontar mais uma vez contra os coitadinhos inocentes. E tome de torcida. Torcida a favor dos bandidos. E se são bons os atores nesses papéis e convincentes em suas atuações, mais chovem elogios pela mídia, análises sociológicas e psicológicas do fenômeno, programas de TV dedicados ao assunto, psiquiatras e astrólogos convidados a opinar. Por que esse fascínio pelos bandidos? Por que gostamos de vê-los atuando e fazendo das suas e – confessa, vai – às vezes até torcemos por eles?

Dos mocinhos ninguém fala. Bom caráter não dá pauta nem pano pra manga e sua felicidade sem charme não engrossa ibope. Estão ali fazendo sua obrigação, a de tentar sobreviver às maldades de seus arquiinimigos. Para lembrar apenas as novelas mais recentes das 21h, a vilã Laura, vivida por Cláudia Abreu, seu cafetão interpretado por Márcio Garcia e o empresário mau caráter Renato Mendes, de Fábio Assunção, roubaram a cena na novela Celebridade. Da mesma forma a Laura, de Lília Cabral, em Páginas da Vida, assim como o Olavo, de Wagner Moura, e Jáder, de Chico Diaz, seguidos pela “gêmea má” Taís, de Alessandra Negrini, em Paraíso Tropical.

E o outro lado da moeda? Quem liga para a “gêmea boa” e seus choramingos ou para os que não aprontam, só levam? Provavelmente vão sofrer durante 98% dos capítulos até virarem o jogo para o gran finale. Alguns do “lado bom”, como o Matheus, do estreante Gustavo Leão, e a Ana Luísa, de Renée de Vielmond, correm por fora. Um porque procura cativar seu pai, a quem nunca chegou a conhecer antes dos 18 anos – assunto quase obrigatório nos folhetins eletrônicos; a outra, que conseguiu a simpatia geral por ter sofrido nas garras de seu marido traidor, vivido por Tony Ramos. E ó nós aí já torcendo para ela fugir com seu admirador mais jovem, mesmo antes de oficializar o divórcio!

Agora, então, que os vilões estão um pouco mais humanizados por seus criadores, e que no meio das maldades e falcatruas podem se mostrar apaixonados de verdade, como Olavo e Jáder, ou emocionados com filmes como Casablanca, como a aparentemente fria Laura, de Lília Cabral, parece que mais cedo do que se imagina vai ter disputa a tapas entre atores e atrizes para viver vilões e vilãs. Os mocinhos das novelas das 21h estão em extinção e logo, logo serão vividos por atores novatos. No universo da ficção – quiçá na vida real – mocinhos não têm mais vez. Quem dá as cartas agora são vilões mutreteiros mas cheios de charme.

E-mail: anaflores.rj@terra.com.br

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