O cachorro – Texto de Fernanda Villas Bôas

São Paulo, junho de 1942

Os três homens voltavam para casa depois de um dia de trabalho. A vila ficava afastada da cidade e era emoldurada pela farta natureza das histórias antigas: a estrada de terra, o céu muito azul, as árvores frondosas, talvez um riacho de águas cristalinas (a descrição é um clichê, mas a realidade não).

Os três homens voltavam para casa depois de um dia de trabalho, quando um cachorro surgiu na estrada lá adiante, dobrando a curva. Era um tipo comum - de porte médio e pêlo curto. Só a expressão do seu olhar não era vulgar: como um expatriado, o cachorro observava o grupo com uma perturbadora curiosidade. E com um lastro de destemor. Por isso mesmo, a três metros dos homens, não desviou sua rota, passando por eles como se não existissem.

Impressionado, o trio estancou e fez a meia-volta: aquele era um cachorro incomum! Por que não sentia pavor dos homens? Por que não os circundara, humilde e resignado, como um outro de sua espécie? Estaria louco? No mesmo momento, o cachorro também parou. E se virou. Ficaram frente a frente, os três homens e o animal, como num ensaio de duelo. Então, aconteceu: lentamente, o cachorro começou a desaparecer. Foi se esvaindo sem pressa, perdendo o contorno e a consistência, até sobrar só a cara, depois os olhos, depois mais nada.

Os três homens que voltavam para casa depois de um dia de trabalho não comentaram o assunto. Nem mesmo entre eles, pois se dizia de mau agouro profanar as aparições. O cachorro voltou ao seu mundo, um mundo paralelo, e nunca entendeu por que os homens não haviam feito o mesmo. Parece até que chegou a pensar: - será que valia a pena viver cercado de ilusões?

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