Napoleão – Texto de Otávio Nunes

O marido entrou em casa e escutou o reclamo da mulher. “Até que enfim você chegou. Estava com medo de ficar sozinha com nosso filho pequeno.” Ele desabou o corpo no sofá e perguntou. “O que aconteceu, querida?” Nervosa e gesticulando, ela contou que a casa do vizinho da esquina tinha sido roubada por dois ladrões, que levaram eletrodomésticos, dinheiro e jóias.

"Há tempos que venho pedindo a você para comprar um cachorro, daquele bem feroz, para proteger nossa casa. O vizinho da esquina não tinha um e veja só o que aconteceu", justificou a mulher, e assim começaram mais uma discussão. O assunto da querela passou a ser o cachorro. "Você precisa comprar um", esbravejou a mulher.

Ele não gostava de bicho em casa. Inventava mil coisas para mostrar a ineficácia de um cachorro no quintal. "Faz barulho, cocô, come ração cara, arranha o carro. Enfim, é um transtorno." Mas não teve jeito. Seus argumentos capitularam frente à insistência da esposa. No sábado seguinte, estavam os dois num canil escolhendo o bicho mais bravo dali.

"Gostei daquele negro. Tem cara de ruim", disse a mulher ao dono do canil. O homem explicou a ela que era um dobermann chamado Napoleão e se tratava de um cão complicado, que ninguém queria. "É por isso que eu quero", respondeu a mulher, resoluta. A contragosto, o marido levou Napoleão para casa, mas pediu que o dono do estabelecimento o acompanhasse. Sentia medo do animal.

No domingo, ninguém saiu de casa. Nem para comprar pão quente na padaria. Comeram pão murcho do dia anterior. Cada vez que alguém punha o pé para fora, no quintal, Napoleão rosnava, mostrava seus dentes pontiagudos e babava feito quiabo cortado.

Na segunda-feira, a mesma coisa. O marido não foi trabalhar. Ligou para o chefe e deu uma desculpa qualquer. Não agüentavam mais ficar enclausurados em casa por causa de Napoleão.

"Vou dar um tiro neste maldito cachorro", gritou o homem. "Você não tem arma em casa. E mesmo se tivesse, duvido que faria isto. Você não tem coragem de matar nem o pulgão que está infestando nossa horta de couve, que a esta hora o Napoleão já deve ter destruído", disse a mulher.

"O que faremos?", perguntou o marido. "Nada", respondeu a esposa. "Não vê que agora estamos seguros? Com o Napoleão aí fora, nenhum ladrão entra em casa."

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