Tem alemão na roda! – Texto de Fernanda Villas Bôas

Vejo no blog Pensar Enlouquece, Pense Nisso (por onde sempre trafego e recomendo: www.pensarenlouquece.com), algumas referências a vocábulos em alemão, uma língua fascinante, mas inclemente. Explico: na adolescência, tentei aprendê-la e até tive apoios entusiastas – como o da professora-filósofa que me estimulava a compreender o significado dos radicais do idioma para despertar minha paixão. Não despertou. A exemplo do vôlei e do violão clássico, o alemão também elege seus iniciados, e me rejeitou logo nas primeiras tentativas – o que nunca me impediu de admirar suas variações, declinações e sutilezas, além da força expressiva de alguns de seus vocábulos. Vamos a eles:

Schadenfreude. Sabe o que quer dizer? Então, imagine a cena: você está estacionando, enquanto a chuva desaba lá fora. E, de repente, avista seu ex: aquele desumano desgraçado, que a abandonou na poeira e nunca mais lhe deu notícias. Desprevenido, o moço está tentando vencer a tempestade como um velocista (o que quase nunca dá certo...). É claro que ele patina na calçada molhada e cai como uma empadinha no chão. E é claro que você dá uma risada contida na privacidade do seu carro, experimentando uma doce satisfação pelo insucesso do outro. Essa sensação se chama schadenfreude, ou seja, é o prazer que a desgraça alheia nos provoca. Se ela beira a perversidade? Lógico que sim, mas dá para evitar?

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Outro termo em alemão que sintetiza uma ocorrência supercomum no ocidente é drachenfutter. Antes de traduzir, vale a pena exemplificar: sabe quando seu namorado pisa na bola e planeja uma tática rápida de reconquista para abafar logo o caso antes que algum resquício chegue aos seus ouvidos ou ao seu e-mail? Nessa hora, ele pode recorrer a presentinhos de reconciliação infalíveis: uma cesta de flores, um CD do Coldplay, um vestido divino, um perfume francês... Se você ganhar qualquer um desses itens num dia absolutamente comum, longe de uma data especial, e estiver levemente desconfiada de que o seu namorado aprontou alguma, encare a real: ele aprontou mesmo! Ou melhor, cometeu drachenfutter, ou seja, tentou suavizar o peso da própria consciência, comprando mimos para você. Pegou o espírito da coisa?

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Mais um termo sensacional é torschlusspanik, que também merece ser ilustrado. Visualize a cena: você tem uma querida amiga, que está beirando os 33 anos, e vive num constante estado "bridgetjonesístico", quer dizer, acha que é muito nova para se amarrar e muito velha para pensar em enxoval de noivado. Pois fique sabendo que ela está vivendo sua torschlusspanik, que vem a ser o medo de ficar pra titia. Mas será que alguma brasileira ainda tem esse receio? E mais: qual o problema de encarnar uma titia se é possível provar um rodízio de titios provisórios enquanto se resolve o que fazer da vida? Acho que esse termo só está na moda na Alemanha, por aqui, não...

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Universal mesmo é o vocábulo spannungsbogen, que representa o espaço de tempo entre a concepção e a realização de um desejo. Como o melhor da festa é esperar por ela, acho que spannungsbogen deve rimar com felicidade. Somos felizes quando ansiamos por alguma coisa, sem imaginar que o objeto desse desejo não vai curar feridas nem preencher lacunas, simplesmente porque não tem consistência nem poder cicatrizante para tanto. Mas como não sabemos disso, embarcamos no deleite e na magia do spannungsbogen. E vamos vivendo de ilusão.
Tem alemão na roda!

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