O calor das festas de junho – Texto de Fernanda Villas Bôas

Estão chegando as festas juninas, a época mais gostosa do calendário. Não sei se você se comove com quentão morno e doce de batata, quadrilha e pau-de-sebo, correio-elegante e simpatia para o santo. Eu, sim. Sempre achei as juninas um exemplo cristalino de brasilidade, talvez porque elas ainda estejam imunes à mecanização do roteiro como o Carnaval. Nas festas de junho, ninguém vai desfilar na avenida à procura dos holofotes nem alimenta uma falsa euforia para segurar o pique até a Quarta-Feira de Cinzas.

As celebrações a Santo Antônio, São Pedro e São João são mais serenas, mais singelas, mais anônimas. Elas preservam um lastro de ingenuidade capaz de desarmar o mais blasé, urbano e engravatado dos convidados. Até ele pode fazer as pazes com as suas raízes, dando voz à criança caipira que mora dentro dele – e também dentro cada um de nós. Sim, eu tenho essa teoria: acho que quase todo brasileiro tem um leve parentesco com o Chico Bento do Maurício de Souza. Podemos não saber, mas gostamos de roubar goiaba, acordar com o galo e namorar depois da missa. E essa herança arquetípica floresce de verdade em junho, durante as festas aos padroeiros.

Se você quiser entrar no clima, basta convocar seus amigos e tomar as seguintes providências: comprar alguns doces baratos, vestir um jeans bem surrado, fazer uma fogueira improvisada, arranjar música de sanfoneiro e recrutar crianças dispostas a trançar os cabelos ou desenhar bigodes com carvão para engrossar a quadrilha (o exército de voluntários vai dobrar o quarteirão...). O resto é lucro: paçocas ordinárias, daquelas que esfarelam, são as mais gostosas; jeans veteranos, com remendos quase indispensáveis, são os mais confortáveis; e quadrilhas desorganizadas, esburacadas ou congestionadas são as mais engraçadas. Eu garanto que, depois da meia-noite, sua alma estará lavada, passada e engomada.

Barraca de pesca

Eu volto a ser criança nas festas juninas. Gosto das barracas de pesca e das argolas. Não sou muito fã da toca do coelho, porque tenho pena do próprio, sempre assustado e estressado (os bichos deveriam ser poupados dessas confraternizações humanas, a começar pela exibição em circos).

Acho o máximo receber correio-elegante e não reclamo de ir para a cadeia, desde que algum anjo me devolva logo a liberdade. Adoro o sabor do gengibre no quentão e da erva-doce no bolo de fubá. Fico maravilhada diante das noivinhas caipiras e estou sempre disposta a ensinar simpatias para adolescentes devotas de Santo Antônio.

Só uma coisa me tira do sério: a pegada country há pouco incorporada a essas festas. Quem foi o infeliz que importou a atmosfera americana para o Brasil? Cowboys e cowgirls devem ser expatriados imediatamente! Nas nossas juninas tradicionais, o vestidinho é de chita e o chapéu é de palha.

Aproveitemos também para deportar os sertanejos pop e as insinuações de que festa junina faz link com festa de peão (outra aberração que poderia ser exterminada junto com a apresentação de animais em circos). Na minha caixa de som, não rola Zezé Di Camargo nem locutor de rodeio. A eles um convite: peguem carona no primeiro rojão rumo a Marte! E fiquem por lá.

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