Nossos dramas

Um dos meus contos preferidos de um dos meus autores preferidos é aquele em que Anton Tchekov narra as frustradas tentativas de um cocheiro que deseja desesperadamente contar a alguém o drama da morte de um filho, mas não consegue, até que… Bem, se você ainda não leu “Angústia – a quem direi minha dor?”, fica aqui a recomendação. Pois bem. Assim como Iona, que é o nome do protagonista do conto, é que me sinto nesses dias em que inevitavelmente nos forçamos a reflexões.

Quero contar meus dramas, mas não há quem esteja disposto a ouvi-los. As pessoas estão ocupadas com as compras de presentes e de comidas, com as roupas que pretendem vestir nas reuniões familiares ou de outra ordem. Correm feito loucas para cumprir seus horários cujo dono ninguém sequer sabe quem pode ser. Fazem planos que irão esquecer daqui a uma semana.

Meus dramas não são muitos, mas como vencer a concorrência dos programas especiais de fim de ano na televisão? Todos os artistas estão lá, embora dizendo as mesmas coisas de sempre. E não é apenas uma emissora. São várias. Todas elas engalfinham-se em busca de audiência, levando ao ar o que acham ter de melhor, enquanto do lado de cá as pessoas deixam-se levar porque imaginam que aquilo que estão vendo trata-se do que há de melhor.

Não, não há tempo para meus dramas. É preciso abrir os presentes, decidir se deles gostamos. Se sim, intensificarmos ao limite nosso contentamento; se não, fingirmos no rosto uma efêmera satisfação. Também é hora de cumprimentarmos aqueles que mal vemos ou nos lembramos durante o ano todo, trocar afagos e palavras vazias.

Meus dramas são inimagináveis. Os outros acham que só eles os têm. Às vezes, olham-me em busca de comiseração e põem-se a revelá-los de um jeito que parece ser impossível que eu os tivesse pensado, pois só eles podem tê-los e por eles lamentar.

E, assim, o que são meus dramas perto de tantos outros? Dramas de vizinhos, de velhos conhecidos, de familiares, de gente de quem nunca ouvimos falar, eles nos caem aos montes, acumulados por um ano de indiferenças e distâncias. Nos jornais que abrimos logo cedo, juntam-se outros, mais intensos, mais numerosos, mais abrangentes. A cada instante, os meus encolhem-se dentro de meu constrangimento incerto.

Ainda ensaio uma reação, mas já é hora. De quê? Guardo meus dramas. Quem sabe numa outra ocasião...

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