Minha revolução – Texto de Fernanda Villas Bôas

Meu desafio para 2005 não é nadar três quilômetros em 1 hora nem esperar a franja crescer para igualar o cabelo – nada disso. O que eu mais quero é deixar de fazer parte da turma do meio-termo nos testes de comportamento. Sabe como é? Nesses testes, em geral, há três tipos de respostas: uma é over, outra é sub-aproveitada e a terceira é a minha, ou seja, a morna, a insípida, a incolor, a inodora. Na maioria das vezes, as pessoas que elaboram esses testes valorizam a coluna do meio. Talvez porque imaginem que quem fica em cima do muro é emocionalmente estável e, portanto, não tem motivos para instigar a curiosidade de uns nem escandalizar o dia-a-dia de outros. Acontece que essa posição é, geográfica e psicologicamente, incômoda. Mostra que você não é suficientemente forte para comprar uma briga nem deliberadamente esperto para escapar dela – ou para se deixar vencer por ela.

Fica mais fácil ilustrar com um exemplo. Imagine o teste: “Você é uma pessoa surpreendente?”. Aposto que meu placar ficaria na casa dos 20, caso o mínimo de pontos fosse 10 e o máximo, 30. Em outras palavras: de acordo com esse teste, eu seria um tanto surpreendente e um tanto previsível, isto é, nem oito nem 80. Existe coisa mais normal e entediante?

O mais curioso é que, pessoalmente, não creio que sou uma pessoa tão rotariana assim. Muitas vezes, tenho vontade de assinalar respostas ousadas, mas não o faço porque não seria de bom-tom (meu segundo desafio é abolir essa palavra do vocabulário em 2005). Quer dizer: eu boicoto minha vocação over para preservar a conduta de boa moça que acredito nunca ter sido, mas que suponho aparentar. Por outro lado, em outros testes, também me sinto compelida a marcar as respostas mais solitárias e impopulares. Me vejo dentro de um quarto à meia-luz, ouvindo uma música triste dos Smiths, com os olhos marejados. E o mais terrível é que também não dou vazão a essa faceta Morrisey para que ninguém desconfie que a melancolia passa aqui de vez em quando e deixa lembranças (e deixa mesmo!). Sem vocação over nem faceta Morrisey, o me sobra, então? A coluna do meio. É claro que tudo isso é automático: nem dá tempo de raciocinar que minhas respostas a um teste de comportamento não interessam nem ao meu marido – o que dirá a um desconhecido com quem eu compartilharia, na sala de espera de um consultório médico, a tal revista com o teste fatídico.

Na verdade, quem se chateia com o veredito do meio-termo sou eu. Cada vez que constato esse resultado, fico imaginando uma maneira de fugir da obviedade dessas “sentenças de comportamento”. Meu desejo é surpreender, desafiar, impressionar! Ou, no outro extremo, instigar, despistar, comover! Mas tudo que eu consigo é o diagnóstico de uma mulher ponderada, controlada, conciliadora e definitivamente comum. Chata, sem rompantes nem mistérios.

Mas eu juro que, em 2005, vou desenterrar meu potencial e escapar das armadilhas dos testes de comportamento. Não vou mais me importar com a opinião que os outros teriam a meu respeito, até porque os outros têm mais o que fazer. Se meu esforço for em vão, prometo rasgar esses testes, fazer uma fogueira em praça pública e dançar na Ruy Barbosa como se estivesse em um sabá. Pelo menos uma nota o jornal vai dar.

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