Você gosta de música erudita? – Texto de Fernanda Villas Bôas

Eu adoro e conheço muita gente que detesta. Ou melhor: nunca prestou tanta atenção, mas prefere desgostar de cara para abreviar o trabalho de conferir. A publicidade também ajuda a impopularizar esse gênero. No verão, a Skol, em guerra contra a Nova Schin, lançou a propaganda da "ilha quadrada". Em contraposição à "ilha redonda", a quadrada tinha um bando de paspalhos com Q.I. de paquiderme. O som que rolava na ilha? Música erudita! Na ilha redonda, é claro, rock and roll.

O fato é o seguinte: para quem não costuma ouvir música erudita, esse gênero pode parecer, à primeira vista, datado, depressivo ou restrito a momentos especiais como casamento, solenidade de formatura ou chá beneficente. É um erro. Como poucos gêneros, o erudito, superelaborado, foi composto sob todas as inspirações humanas e, por isso mesmo, é capaz de provocar emoções em todas as faixas de sintonia. Quer alegria genuína? Ouça Bach. Prefere romantismo? Tente Liszt. Algo mais eletrizante? A dica é Wagner. Mozart é especial para se pensar em tudo aquilo que transcende a realidade concreta.

Algumas músicas eruditas também conseguem transportar o ouvinte para regiões inexploradas do inconsciente e extrair dessas regiões forças desconhecidas. Bolero é uma delas. O compositor Maurice Ravel dizia que Bolero podia ser resumido em "17 minutos de orquestra sem música nenhuma". Isso porque a composição se limita a um tema de oito compassos, que se repetem ao longo dos 17 minutos com diferentes acompanhamentos de orquestra. Acontece que o tema é tão grandioso, que ultrapassa essa repetição pelas imagens mentais que consegue produzir.

Outra composição impressionante é a Nona Sinfonia, uma das mais conhecidas de Beethoven. Ela foi composta quando o autor já estava completamente surdo. Beethoven elaborou mentalmente as harmonias antes de transferir a peça para a partitura. O jornalista Paulo Francis, um grande ouvinte de música erudita, achava a Nona Sinfonia exagerada. Para ele, Beethoven perdeu o senso da "justa medida" com o agravamento do problema auditivo e acabou destoando essa sinfonia do conjunto de sua obra. É um comentário, no mínimo, discutível.

Beethoven tem passagens interessantes em sua vida. Consta que no seu único encontro com o compositor Franz Schubert nenhuma palavra foi dita. Certa vez, Schubert, um tímido incorrigível, compôs uma série de variações sobre uma conhecida música francesa e decidiu presentear Beethoven com a obra. Quando chegou à casa dele, Schubert recebeu do compositor, já bem comprometido pela surdez, um pedaço de papel e um lápis. Beethoven queria que Schubert lhe explicasse um trecho da tal obra. Acontece que ele ficou tão nervoso que saiu da casa do compositor sem dar qualquer justificativa. Claro que os dois nunca mais se viram, especialmente porque Beethoven era um temperamental nato.

Chopin, quem diria, também foi personagem de uma história bizarra ocorrida aqui mesmo no Brasil. Meu pai, testemunha ocular, é quem contava. Imagine a cena: Assis, década de trinta. Na cidadezinha, havia uma pequena livraria e um livreiro prosador e metido a bom conhecedor. Um dia, ele mostrou ao meu avô um livro de um autor alemão com o seguinte comentário: "veja o senhor como esses alemães são danados. Por causa de um passarinho desse "tamaninho", fazem um livro dessa grossura!". E exibiu, orgulhoso, o livro, com letra gótica na capa dura e trezentas e tantas páginas. Era uma biografia de Chopin. Mas para o livreiro, era mesmo um tratado sobre o chupim, o passarinho ordinário que acomoda seus filhotes no ninho do tico-tico.

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