Afinal, qual é o babado da imprensa?

Isabel Carvalho
Especial para o blog

A Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), do dia 13 de junho, em São Paulo, transcorreu com muito brilho e sem qualquer incidente.

O fiasco ficou por conta da imprensa, que seguiu a linha do “politicamente correto” e reportou o que há de mais pejorativo no movimento homossexual: privilegiou o “exótico” e ignorou as manifestações políticas existentes.

A cobertura das TVs, segundo relatos – felizmente não vi porque estava entre os GLBT’s na Avenida Paulista – foi estapafúrdia. Ao invés de pôr de lado toda a estereotipia adotada de praxe nas coberturas de manifestações de movimentos minoritários reivindicatórios, expôs pejorativamente drags queens como se o movimento homossexual se resumisse apenas nos tipos travestidos, gesticuladores e bizarros.

Já que as “drags” acabaram de ser citadas, boa parte delas, certamente, estava sentindo-se verdadeiramente representante de um movimento com múltiplas facetas – inclusive, a da alegria e do brilho -, sem contar a coragem, a liberdade e a criatividade de mostrar-se tal como é: ser no mundo, na Paulista, na convivência harmônica entre tantos tipos de pessoas, personalidades, diferenças…

A mídia, se quisesse exercer um papel real de formação sócio-cultural, deveria, no mínimo, ter explicado aos telespectadores, ouvintes e leitores o verdadeiro objetivo da Parada do Orgulho GLBT. Mas não o fez. Preferiu ouvir histórias apenas das adoráveis caricatas drags queens e travestidos, generalizando os homossexuais como se todos usassem fantasias para ocultar sua sexualidade no dia-a-dia indigesto da sociedade capitalista selvagem.

O papel da imprensa há tempo deve ser repaginado. O jornalista precisa se despir do preconceito e ir a fundo no porquê das coisas. Neste caso, primeiramente, seria fundamental explicar o porquê da realização das Paradas.

As Paradas, em especial as da capital paulista, ocorrem há oito anos. Mas, apenas nos últimos três anos, é que se tem dado destaque maior na mídia por causa dos milhões de pessoas que comparecem ao evento. Com tamanha visibilidade, fica impossível não dar um link durante a programação dominical, mas sem agredir os lares cristãos sintonizados.

Claro que apesar dos interesses mercadológicos das Paradas, as quais contam com mega-patrocinadores que vêem no público homossexual consumidor potencial e no evento a oportunidade de vender seus produtos sob a vitrine de empresas preocupadas e sensibilizadas com a causa GLBT - por direitos civis e previdenciários, igualdade e fim do preconceito -, a Parada em si é uma manifestação de um movimento repleto de reivindicações, sim!

Em 1996, com uma simples manifestação dos homossexuais, com a presença de 2 mil pessoas em São Paulo, foi dada a largada para o que vemos acontecer anualmente na Paulista. O número de participantes GLBT´s e simpatizantes cresceu progressivamente até atingir a cifra oficial de 1,8 milhão. Mas, que para mim, certamente ultrapassou os 2 milhões. Ganhou visibilidade e tornou-se a maior do mundo, superando as Paradas de São Francisco, Nova Iorque e Toronto.

Muito bem. O Brasil, aos olhos da mídia mundial, no quesito organização de Paradas GLBT´s está indo muito bem. Mas, afinal, o que o movimento GLBT reivindica e o que a sociedade realmente pensa da classe? E a imprensa, como se comporta?

Para Wilson Silva, colega militante GLBT, apesar do sucesso, a Parada, mais uma vez, foi marcada por problemas. A começar pelo tema selecionado pela Associação do Orgulho GLBT: 'Temos família e orgulho'. Para um setor do movimento, o tema tinha a ver com a necessidade do reconhecimento legal das relações entre casais GLBT (com a regularização das parcerias civis que transfiram para os homossexuais os mesmos direitos existentes para os casais heterossexuais, como os direitos previdenciários e, no meu entender, o direito à adoção de crianças). Nada mais justo.

Outros relacionaram o tema às muitas dificuldades que GLBT's têm em suas famílias: discriminação e preconceito podem se transformar em atitudes como a expulsão da casa ou o emprego da violência doméstica. Algo também importante.

Contudo, pelo tom dado pela própria Associação, tanto a cobertura da mídia como os eventos paralelos à Parada foram marcados por uma abordagem conservadora: a defesa do padrão tradicional de família.

Exemplar da lamentável lógica que permeia a maioria do movimento, que defende a "integração" dos homossexuais ao sistema tal como é. A defesa do casamento e da família tradicionais é prima-irmã da postura que vê como conquista o surgimento de um mercado voltado para os homossexuais. Uma enorme bobagem que só privilegia setores de classe média.

Além desse problema, repetiram-se outros já conhecidos: a abertura da Parada foi feita pela prefeita petista sem que qualquer um pudesse questioná-la (não só por sua péssima administração, como também por não ter feito nada pelos GLBT's); durante todo o percurso houve muita música, cartazes e faixas pedindo o fim da violência, da discriminação e reivindicando direitos básicos, mas, evidentemente, a cobertura da imprensa privilegiou o "exótico", ignorando as manifestações políticas existentes.

O que a imprensa não informa: censo GLBT

O GLS Planet em parceria com o Grupo Arco-Íris vai lançar em breve o Censo GLS, o primeiro levantamento mais amplo da população GLS no Brasil. Para tornar os dados confiáveis, os idealizadores pretendem levantar dados fidedignos sobre a comunidade GLBT no Brasil, tanto em termos de perfil sócio-econômico como também dados que sejam do interesse das ONG´s ativistas e entidades de pesquisa. A pesquisa vai ser feita via internet, através do domínio e site exclusivo da pesquisa www.censogls.com.br, que está em construção, no momento.

Durante a coletiva concedida à imprensa no dia da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, Sônia Alves, diretora do GLS Planet, informou sobre a realização do censo e pediu aos jornalistas a "gentileza" de divulgar o fato. Não vi qualquer veículo de comunicação reportar o tema.

Preconceito, má vontade dos jornalistas, falta de uma formação universitária de qualidade desses profissionais para discernir o que é importante ou pressão dos donos da mídia para ocultar a verdade que muitos não querem ver?

A verdade, doa a quem doer, é que os homossexuais existem e estão numa luta justa, digna e permanente para ter os mesmos direitos dos heteros!

Isabel Carvalho é jornalista

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