Sol da meia-noite – Texto de Fernanda Villas Bôas

Era uma fatia de sol, talvez um metro quadrado ou nem isso. E, nos dias sem nuvens, reafirmava sua pontualidade iluminando um pedaço da cama dos meus pais, sempre por 40 minutos, a partir das 13 horas. Uma luz filtrada, mas contínua, que aquecia a colcha e deixava a cabeceira de madeira quase febril.

Quem descobriu a novidade foi meu pai - a cama era dele e o sol nos visitava todo começo de tarde, atravessando a janela de grade verde que separava o dormitório de um pequeno jardim. Imprudente, o pai espalhou a boa nova e a concorrência começou: todo mundo queria alguns minutos daquele abraço envolvente, que chegava de graça e era tão prosaico e singelo que era impossível ficar indiferente.

Eu era bem mais jovem e ainda morava com os meus pais quando esse oásis foi notado e patenteado pela família: era o nosso "aleph". Nas manhãs frias em que ia para a faculdade com uma crise aguda de bronquite e vestindo uma blusa de lã mal ventilada que só complicava a situação dos meus brônquios, adorava chegar em casa para o almoço com o argumento irrefutável: eu era a caçula e nascera com bronquite, respirava com praticamente meio pulmão, tinha um fôlego débil, espirrava sem compasso e com os olhos úmidos, vermelhos, asmáticos. Ora, com esse triste prontuário, era justo que eu merecesse ser recompensada com uma dose suplementar de sol. Às vezes, convencia todo mundo e ficava mais tempo naquele deleite, de olhos fechados, sentindo o calor da colcha barata que imitava patchwork - talvez, uns 25 minutos. Outras vezes, com o rosto corado, a voz vigorosa, os olhos rútilos e bem abertos, eu era publicamente desmascarada na hora do almoço e precisava, então, dividir a fatia de sol com mais alguém.

As boas lembranças ocupam um baú especial na memória, mas os momentos mágicos, como o quadrado amarelo que invadia o quarto do meus pais à tarde, estão num lugar vip de coordenadas invioláveis. Esses momentos são um alento para os dias difíceis, quando todas as vias estão congestionadas e o corpo precisa de ar e também de paz, retidão, silêncio, reclusão. Não uma reclusão monástica, mas um break para recarregar o refil da inspiração e realimentar o entusiasmo, a vontade de viver e de correr riscos, mergulhando em oceanos desconhecidos sem escafandro.

O pai morreu, a mãe se mudou, a irmã se casou, a casa foi vendida e reformada. É provável que o sol não encontre mais a colcha, nem a janela de grade verde nem o pequeno jardim. Mas ele está vivo dentro de mim. Nos dias cinzas, brilha aqui dentro. E acalenta, acaricia, reconforta. É um sol definitivo, um sol eterno, um sol de Oslo.

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