Responsabilidade

Na cidade onde nasci, numa época em que a emissora local já tinha fechado fazia tempo, havia um homem apaixonado por rádio que mantinha um serviço de alto-falante diariamente.

Em dois horários, um na parte da manhã e outro à tarde, ele abria o microfone. O equipamento (aliás, até hoje há um serviço parecido por lá) ficava bem no centro da cidade. Cidade pequena, 17 mil habitantes, por aí. Em sua maioria, a programação incluía anúncios do comércio. Mas havia também informativos.

Numa certa madrugada, alguns jovens notívagos brincalhões resolveram aprontar. Foram até o local – o estúdio ficava na casa do radialista – e anunciaram que uma chuva forte na cabeceira do rio que atravessa a cidade havia provocado uma cheia nas áreas próximas à baixada.

Sonolento, talvez depois de uma noite tomando umas e outras, o radialista não pensou duas vezes: vestido como estava, com um pijamão, empunhou o microfone e abriu o som do alto-falante.

O boletim, além da notícia sobre a inundação, trouxe também severas críticas à prefeitura, que, segundo ele, deveria ter tomado providências para evitar a verdadeira tragédia que a população enfrentava naquele momento.

Bem, fora os brincalhões, talvez cem em cada cem habitantes estivessem dormindo naquela noite seca de verão em que no céu cintilavam longínquas estrelas.

Parece-me que hoje, talvez trinta anos depois da peripécia com o pobre radialista, o jornalismo, em alguns aspectos, mantenha-se refém do que naqueles dias representou o bando de sujeitos que, não tendo o que fazer, decidiram quebrar a monotonia da pequena cidade.

O jornalismo atravessa uma época em que o “disse que” transformou-se em carimbo de responsabilidade. E mais que isso: em recheio gorduroso que só faz mal ao texto.

De modo geral, faltam aos jornais – e aqui permitam-me usar uma imagem do futebol – figuras como o meio-campista Didi, da seleção brasileira, que na distante Copa de 1958 botou a bola embaixo do braço logo após seu time tomar um gol e chamou para si a responsabilidade da organização da equipe.

É preciso que o jornal resgate esse espírito. O espírito de jornalistas que chamem para si a responsabilidade do texto. Que escrevam com autoridade. E consigam transmiti-la ao leitor.

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