Entrevista com o jornalista José Alberto Bombig

Conheça o entrevistado José Alberto Fiorin Bombig, por ele mesmo

Tenho 36 anos e sou formado em jornalismo pela Unesp/Bauru. Em 1994, iniciei minha carreira no Jornal de Jundiaí. Em agosto daquele mesmo ano, fui para o Diário de Bauru, em uma equipe comandada por Paulo Torres e Márcio ABC que marcou época no jornalismo do interior paulista. Dois anos depois, comecei na Folha de S. Paulo, jornal no qual estou até hoje. Passei pelas regionais de Campinas e de Ribeirão Preto, onde fui editor-assistente, e pelos cadernos Esporte e Brasil. Cobri a Copa do Mundo de 2002 e as eleições daquele mesmo ano. Atualmente, sou repórter da coluna política Painel.

Como é para alguém que cresceu e iniciou a carreira no interior
aterrissar num exagero de cidade como São Paulo? Você se sentiu intimidado ou tirou de letra?

Com relação ao grande centro, foi tranqüilo. Apesar de enorme, São Paulo é
acolhedora. Profissionalmente, o início é difícil, dá a impressão que as pessoas daqui estão mais preparadas, estudaram em bons colégios, conhecem gente
influente etc... Mas depois você descobre que há espaço para quem quer
trabalhar de verdade e que muita gente boa do jornalismo é de fora da cidade. Aliás, acho que o pessoal do interior do Brasil contribui muito com um olhar diferente, um tipo de sabedoria brejeira que não está nos livros nem nas escolas construtivistas da Vila Madalena. Eu poderia citar uma lista enorme de
bons jornalistas e escritores que não são paulistanos, mas não vou fazê-lo para não cometer o crime de esquecer amigos.

É inevitável perguntar: você trabalhou durante um período razoável no
interior e depois fixou-se na capital; quais as diferenças dessas duas realidades? Quais as vantagens e desvantagens de uma e de outra?

A vantagem do interior é o ritmo mais lento. Além disso, fazer jornal no interior é a grande escola porque fechar uma edição quando a gente tem notícia é fácil, o duro é tirar uma edição do chão quando as coisas não estão aparentes, cavar os bastidores, buscar especiais, sides no solo árido interiorano. Nesse sentido, trabalhar em Bauru, Campinas e Ribeirão Preto foi muito bom. Em termos pessoais, então, nem se fala. Já em São Paulo e Brasília a dificuldade é separar o joio do trigo dentre tantas informações que chegam até você e acordar sabendo que a concorrência está fungando no seu pescoço para te furar.

Como é migrar de uma editoria para outra, especialmente da cobertura
esportiva para a política, como ocorreu com você na Folha?

O Josias de Souza e o Raymundo Costa, dois dos melhores repórteres do
Brasil, têm uma teoria interessante: todos os repórteres de política deveriam
ser formados na editoria de esporte. Faz sentido, no futebol e outras
modalidades você lida com paixão, emoção, disputas internas, egos inflados,
puxadas de tapete, plantações de notas etc.. Por isso, acho que fiz uma
transição tranqüila ao trocar o esporte pela política.

Dá para descrever a satisfação, as sensações, as emoções de cobrir uma
Copa do Mundo?

É quase impossível. Cobrir seleção brasileira, na Copa ou em qualquer outro
lugar, especialmente no exterior, é demais. Antes de fazer minha primeira
viagem internacional com a seleção, aos EUA e ao México em 2001, eu era
daqueles que gostava primeiro do meu clube, depois, da seleção. Quando vi um grupo de fanáticos derrubar no peito a porta do Intercontinental de
Guadalajara para pegar autógrafos de Ronaldo, Roberto Carlos e Romário,
passei a entender o que significa aquela camisa amarela. Para fechar, a cena
do Cafu levantando a taça com aquela coisa do Jardim Irene matou. Estávamos fora de casa havia dois meses, nos abraçamos, repórteres e colunistas brasileiros de diferentes veículos, e choramos. Foi bom.

Aliás, você, que adora futebol, gostou ou não da volta do Parreira à
seleção?

Sim, acho que foi a melhor alternativa depois que o Felipão, de maneira
egoísta, aceitou treinar Portugal. Até hoje não entendo o raciocínio dele.Trocar o Brasil por Portugal equivale a deixar o Real Madrid para
comandar o São Joaquim Futebol Clube. O pior foi o argumento: "se eu perder
vão esquecer minha conquista". Meu Deus!! Quanta bobagem, como se uma derrota pudesse apagar da história um capítulo tão bonito quanto o penta.

E o Campeonato Brasileiro por pontos corridos, você aprova?

Não, gostava mais da fórmula antiga, acho que estamos a reboque dos europeus. A maneira atual só funcionaria com poucos clubes e com uma Copa do Brasil maior e com todos os grandes. Além disso, como disse o amigo Xico Sá (olha aí, uma fera que é de fora de São Paulo) noite dessas, a vida não é
pontos corridos, ela é embate, é mata-mata.

Eleição presidencial ou Copa do Mundo?

A Copa é sonho, mas a eleição presidencial é indescritível, uma coisa que você sabe que irá mexer com o futuro de milhões de pessoas, do seu país, de
sua família. Além das viagens para lugares que você não iria por conta
própria, os chamados grotões do país. Afora eleições e Copa, outra coisa bem
legal é acompanhar o presidente em sua viagens. Lembro-me sempre daquele repórter do New York Times que estava em Dallas quando Kennedy foi assassinado. A história está no livro do Gay Tallese sobre o jornalão norte-americano. O que era para ser mais uma entre tantas coberturas das visitas do presidente ao interior do país transformou-se no dia da vida do sujeito. Sempre fico imaginando que você pode ajudar a fazer a história a qualquer momento. É preciso estar sempre atento.

Você sempre esteve no meio impresso. Foi por querer ou não surgiram
oportunidades em outros meios?

Sempre gostei de ler jornal, desde criança, um dos maiores prazeres da minha
vida, até hoje. Pegava o bicho na mão de manhã e pensava: um dia eu vou
fazer isso. Mas é fato que nunca surgiram outras oportunidades.

E sua aventura literária? Como aconteceu?

Tenho, além de você, outros grandes amigos escritores, entre eles o Joca
Reiners Terron, um dos nomes mais promissores da chamada Geração 90. Aqui em Sampa, como acontecia em Bauru, freqüentamos o mesmo bar, a Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, ponto de encontro de escritores, jornalistas etc... Quando o Joca foi convidado para organizar uma antologia de textos sobre o bar (Uma Antologia Bêbada - Fábulas da Mercearia), me convidou. Topei na hora e me aventurei em uma ficção, agora preparo um livro para ser lançado no início do ano que vem. Mas sou diletante. Ah, quem quiser adquirir nosso livro é só entrar no site www.merceariasaopedro.com.br.

Bom, você sabe que este site é bastante acessado também por estudantes
de jornalismo. Como é seu dia-a-dia na Folha e quais as dicas para os que
pretendem buscar um lugar na chamada "grande imprensa"?

O cotidiano das redações é sempre intenso, em qualquer lugar. Tem que ter
disposição para ralar. Não me acho em condições de dar dicas, mas sei que é
importante ler jornal, literatura (muito), acessar os sites, ver o noticiário da TV, ouvir o rádio, enfim, não ter vergonha de gostar de jornalismo, de estar informado.

E a disputa entre os próprios jornalistas? Geralmente, há muitas reclamações sobre falta de ética e escrúpulos quando o objetivo é buscar
espaço profissional. Você já conviveu com esse tipo de situação?

Sim, mas nada que tenha ultrapassado os limites aceitáveis. A concorrência é
grande, mas faz parte do jogo.

Como você analisa a situação política do país hoje em dia? Qual a visão
dos jornalistas que vivem próximos aos homens que ditam os rumos da
política?

O governo passa por um momento político delicado, com sua base estremecida. Do outro lado, PSDB e PFL parecem ter consolidado uma aliança que irá durar pelo menos até 2006, quando a reeleição de Lula estará na rua. Acho que esses dois blocos vão polarizar durante um bom tempo o cenário político do país, com os petistas em busca de uma união com PTB e PMDB. Após as últimas disputas nas urnas, a reeleição de Lula, que muitos imaginavam favas contadas, poderá não ser tão fácil assim.

E o governo do Lula, qual é sua avaliação?

O governo do PT derrapa nos pontos que todos imaginavam que ele iria tirar de letra: a articulação política, a área social, a educação, a saúde, a abertura dos arquivos da ditadura etc... e segue firme, pelo menos apresentando alguns resultados, ainda que controversos, no caminho da ortodoxia econômica. A pergunta inevitável é "qual o modelo que o PT tinha ou tem para o país?" Acho que o país passa por um momento de inflexão com a saída de Carlos Lessa do BNDES e de muitos amigos do presidente do governo.

Vamos falar um pouco do jornal impresso. É fato que as tiragens
sofreram uma dura redução nos últimos anos. Também não se pode negar que a concorrência da internet tira leitores dos jornais. Você não acha que o papel do impresso é cada vez mais voltar-se para a análise e o aprofundamento da notícia?

Sem dúvida. Se não pudermos oferecer algo mais que a TV e o rádio, acho que estaremos fadados a desaparecer.

Você acha que o jornal corre o risco de perder o status e a influência
obtidos entre os chamados segmentos formadores de opinião?

Somente muito a longo prazo. Se uma pessoa gosta ou se preocupa, de fato,
com política e economia, por exemplo, não conseguirá se contentar com o
Jornal Nacional. Da mesma forma deve ocorrer com os amantes do teatro, do
Vôlei etc.., assuntos que não encontram tanto espaço na chamada mídia de massa.

Como a reforma gráfica e editorial do Estadão foi recebida por vocês
jornalistas da Folha?

Pelo que conversei com os colegas, todos concordaram que o jornal ficou mais
leve.

Qual a sua opinião sobre a verdadeira avalanche de informações que chega ao público através dos diversos meios? Há quem acredite, inclusive estudiosos da comunicação, que os veículos atualmente mais desinformam do que informam, ao simplesmente jogar ao público, na maioria das vezes sem a preocupação de inseri-las num contexto, todas as notícias possíveis. Você
concorda com isso ou não?

Não. Acho a profusão benéfica, cria a diversidade. Parto do pressuposto que
a busca do bom jornalismo deve incluir sempre a preocupação com a
contextualização.

O que você acha da postura política da imprensa norte-americana. Nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, os jornais se posicionaram claramente ao lado de um dos candidatos. No Brasil, embora muitas vezes os
veículos de comunicação o façam por "debaixo do pano", não é comum, ao menos na "grande imprensa", observar esse tipo de comportamento. Qual é sua análise a respeito?

É um assunto controverso. Isso só seria possível no Brasil, imagino, se
tivéssemos um número bem mais expressivo de jornais e veículos de
comunicação. Caso contrário, poderíamos ter uma influência exagerada na
disputa. Já pensou o que poderia acontecer se todos os grandes veículos
escolhessem o mesmo candidato?

Planos para o futuro profissional ou deixa a vida te levar?

Cobrir a eleição de 2006.
"... vida leva eu..."

Vamos ao pingue-pongue?

Sua melhor matéria

Duas me marcaram muito: ter descoberto Julieta Petit, mãe dos guerrilheiros Maria Lucia, Lúcio e Jaime, desaparecidos no Araguaia, publicada (e muito bem editada por Márcio ABC, o primeiro a perceber o ouro em pó jornalístico que tínhamos nas mãos naquele momento) em 1996 no Diário de Bauru (puta furo!!); e a que revelou a fraude nos comerciais do governo Lula sobre o programa de Agricultura Familiar, em março deste ano, indicada ao Prêmio Folha.

Um nome do jornalismo

Elio Gaspari.

Um nome da política

JFK, o presidente norte-americano assassinado em 1963.

Um nome do esporte

Dois: Tostão, craque, amigo, homem simples, apesar de intelectual, e
meu pai, que jogou no Comercial e na Francana.

Time do coração (deixe que eu respondo)

Tricolor, o paulista.

Filme

Fellini Oito e Meio.

Livro

O Som e a Fúria, do Faulkner, e qualquer outro de Machado de Assis.

Está lendo atualmente

Memórias do Subsolo, de Fiodor Dostoievski.

Seu lazer

Música, literatura, cinema e bicicleta.

O texto

A terceira parte de Os Sertões (a Luta), um show de jornalismo e de literatura.

Uma saudade

Do tempo em que trabalhei com o pessoal da redação do Diário de Bauru.

Um sonho

Ver o Brasil melhor.

A alegria

São mais que uma: vitórias do São Paulo, o reecontro com a família, os
amigos, bons livros, bons discos, bons pratos, viagens etc...

A tristeza

A morte de gente que faz falta para o país, como Celso Furtado, por exemplo.

A certeza

Nenhuma.

Comments are closed.