Princesa Isabel deu o pontapé inicial – Texto de Fernando BH

Quando a princesa regente assinou a Lei Áurea, há quase 120 anos, amenizou (só amenizou) a injustiça sofrida pelos negros e ainda presenteou o mundo todo, pois, exatamente 70 anos depois, Pelé e Garrincha estavam livres para arrancar efusivos aplausos de milhares de branquelos nas arquibancadas suecas. Mas desde que Charles Miller trouxe a bola ao país, em 1894, até o triunfo de 1958, a vida dos negros não foi fácil – e continua difícil no intolerante século 21.

Praticado só pela burguesia em seus primeiros anos de atividade no Brasil, o “football” dos universitários engomados começou a se render aos trabalhadores das fábricas e também aos jovens negros ociosos das periferias, com muito tempo para desenvolver um “técnica sedutora”, como descreve Anatol Rosenfeld em “Negro, Macumba e Futebol” – o ensaísta alemão considerou o futebol sua porta de acesso à cultura brasileira.

Se por um lado os pobres e mulatos ganhavam regalias trabalhistas (como no time do Bangu, que nasceu em uma fábrica de tecidos e foi o primeiro a escalar negros) e status social (o Vasco da Gama foi o primeiro a ter pessoas de classe baixa entre seus sócios) em troca de seus dribles, a realidade fora dos 90 minutos de jogo continuava cruel. “O que valia no jogo não podia impor-se tão rapidamente na vida” (Rosenfeld).

Um atenuante para essa marginalização: o brilho do Diamante Negro, Leônidas da Silva, artilheiro da Copa do Mundo de 1938, abriu definitivamente o mercado do futebol (àquela época recém-profissionalizado) para os negros.

Como Mário Filho constata em “O Negro e o Futebol Brasileiro”, a culpa pela imperdoável derrota no Maracanã – que anos mais tarde ganharia o nome do jornalista – em 1950 recaiu sobre três negros do time: os defensores Bigode e Juvenal e, principalmente, o goleiro Barbosa.

Em 2006, às vésperas da Copa na Alemanha, o humorista e dublê de comentarista esportivo Chico Anysio teve a infelicidade de afirmar no diário "Lance!" que não tinha confiança em um goleiro negro, fazendo referência a Dida e lembrando-se do pobre Barbosa.

Dois exemplos de um incessante mar de intolerância, que infelizmente rende outras tantas dessas linhas e prova que o futebol, mesmo sendo um grande palco para os negros mostrarem seu valor, é apenas mais um espelho fiel da nossa sociedade.

E-mail: fernando_bh@yahoo.com.br

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